São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Trair e Coçar, É Só Começar"

Baseada em estereótipos, "Trair e Coçar" não se adapta bem ao cinema

CRÍTICO DA FOLHA

A certa altura de "Trair e Coçar, É Só Começar", quando a confusão já está instalada em um apartamento de classe média alta, a doméstica Olímpia (Adriana Esteves) chora enquanto bebe doses de uísque - servidas, com segundas intenções, pelo patrão (Cássio Gabus Mendes) e um amigo da casa (Mário Schoemberger).
"Por isso eu bebo e choro", diz a letra da canção que acompanha a cena. Esse exemplo de reiteração dá uma idéia razoável de por onde caminha o humor do filme. Em linhas gerais, pela mesma trilha que tornou a peça de Marcos Caruso um sucesso de bilheteria do teatro brasileiro: não basta fazer a piada -é preciso sublinhá-la.
É outro espetáculo adaptado para o cinema, "Domésticas", que se evoca no início. Na lavanderia do prédio que abrigará quase toda a ação, um grupo de empregadas conversa. Olímpia traz à baila um livro de auto-ajuda cuja autora ensina as assistentes do lar a tirar vantagens da patroa. Distraída, ela não percebe que a máquina de lavar acaba de lhe criar um problema. Mais um.
Um pouco metida a esperta, outro tanto atrapalhada, Olímpia desencadeará uma sucessão de mal-entendidos na rotina do casal para o qual trabalha, de outros moradores do prédio e de gente que teve a infelicidade de passar por lá nesse dia.
A comédia de situações que se alimenta dos fantasmas de chifres e cornos poderia chamar-se "Em Boca Fechada Não Entra Mosquito", para recorrer a outro dito popular. Portadora de incontinência verbal, Olímpia encarna o estereótipo da fofoqueira mansa. Não quer fazer mal, mas só provoca estrago.
Estereótipos, aqui servem não só à fabricação de piadas mas a uma crônica social em que a turma do alto na pirâmide é contraposta à de baixo. Há um pouco de Brasil nesse prédio, ainda que o registro das diferenças funcione, na maior parte do tempo, apenas com pano de fundo para o corre-corre e o diz-que-diz maliciosos. Mas, à medida que se aproxima do desfecho, "Trair e Coçar" quer falar um pouco "sério".
A seqüência que melhor traduz esse espírito é a que leva os representantes da classe média alta até o quarto da empregada. Antes que o humor se encarregue de suavizar as coisas, a pieguice já fez o seu estrago. De qualquer forma, no drama ou no humor, é ao lado de Olímpia (e de todas as domésticas?) que o filme deseja ver o espectador.
Repete-se aqui, no entanto, o que vitimou a adaptação para cinema de "O Mistério de Irmã Vap": bons momentos passados na platéia de um teatro não são necessariamente resgatados pelo mesmo texto em outro contexto. Aqui, fidelidade à essência exigiria a traição da estrutura original. (SÉRGIO RIZZO)

TRAIR E COÇAR É SÓ COMEÇAR  
Direção: Moacyr Góes
Produção: Brasil, 2006
Com: Adriana Esteves, Cássio Gabus Mendes
Quando: em cartaz nos cines Pátio Higienópolis, Osasco Plaza e circuito


Texto Anterior: Crítica/"Santos-Dumont - O Homem Pode Voar": Aviador ganha cinebiografia correta
Próximo Texto: Crítica/"O Tempo que Resta": François Ozon faz um dos filmes mais belos do ano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.