|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Trair e Coçar, É Só Começar"
Baseada em estereótipos, "Trair e Coçar" não se adapta bem ao cinema
CRÍTICO DA FOLHA
A certa altura de "Trair e
Coçar, É Só Começar",
quando a confusão já
está instalada em um apartamento de classe média alta, a
doméstica Olímpia (Adriana
Esteves) chora enquanto bebe
doses de uísque - servidas,
com segundas intenções, pelo
patrão (Cássio Gabus Mendes)
e um amigo da casa (Mário
Schoemberger).
"Por isso eu bebo e choro",
diz a letra da canção que acompanha a cena. Esse exemplo de
reiteração dá uma idéia razoável de por onde caminha o humor do filme. Em linhas gerais,
pela mesma trilha que tornou a
peça de Marcos Caruso um sucesso de bilheteria do teatro
brasileiro: não basta fazer a piada -é preciso sublinhá-la.
É outro espetáculo adaptado
para o cinema, "Domésticas",
que se evoca no início. Na lavanderia do prédio que abrigará quase toda a ação, um grupo
de empregadas conversa. Olímpia traz à baila um livro de auto-ajuda cuja autora ensina as
assistentes do lar a tirar vantagens da patroa. Distraída, ela
não percebe que a máquina de
lavar acaba de lhe criar um problema. Mais um.
Um pouco metida a esperta,
outro tanto atrapalhada, Olímpia desencadeará uma sucessão
de mal-entendidos na rotina do
casal para o qual trabalha, de
outros moradores do prédio e
de gente que teve a infelicidade
de passar por lá nesse dia.
A comédia de situações que
se alimenta dos fantasmas de
chifres e cornos poderia chamar-se "Em Boca Fechada Não
Entra Mosquito", para recorrer
a outro dito popular. Portadora
de incontinência verbal, Olímpia encarna o estereótipo da fofoqueira mansa. Não quer fazer
mal, mas só provoca estrago.
Estereótipos, aqui servem
não só à fabricação de piadas
mas a uma crônica social em
que a turma do alto na pirâmide é contraposta à de baixo.
Há um pouco de Brasil nesse
prédio, ainda que o registro das
diferenças funcione, na maior
parte do tempo, apenas com
pano de fundo para o corre-corre e o diz-que-diz maliciosos.
Mas, à medida que se aproxima
do desfecho, "Trair e Coçar"
quer falar um pouco "sério".
A seqüência que melhor traduz esse espírito é a que leva os
representantes da classe média
alta até o quarto da empregada.
Antes que o humor se encarregue de suavizar as coisas, a pieguice já fez o seu estrago. De
qualquer forma, no drama ou
no humor, é ao lado de Olímpia
(e de todas as domésticas?) que
o filme deseja ver o espectador.
Repete-se aqui, no entanto, o
que vitimou a adaptação para
cinema de "O Mistério de Irmã
Vap": bons momentos passados na platéia de um teatro não
são necessariamente resgatados pelo mesmo texto em outro
contexto. Aqui, fidelidade à essência exigiria a traição da estrutura original.
(SÉRGIO RIZZO)
TRAIR E COÇAR É SÓ COMEÇAR
Direção: Moacyr Góes
Produção: Brasil, 2006
Com: Adriana Esteves, Cássio Gabus Mendes
Quando: em cartaz nos cines Pátio Higienópolis, Osasco Plaza e circuito
Texto Anterior: Crítica/"Santos-Dumont - O Homem Pode Voar": Aviador ganha cinebiografia correta Próximo Texto: Crítica/"O Tempo que Resta": François Ozon faz um dos filmes mais belos do ano Índice
|