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Crítica/"O Tempo que Resta"
François Ozon faz um dos filmes mais belos do ano
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Ao ser criado, o cinema
suplantou as tradicionais artes da representação (pintura, escultura e fotografia) ao capturar o movimento das pessoas, objetos e paisagens e assim avançar na reprodução realista do mundo. Junto
do movimento, veio o tempo e,
com ele, a idéia de que tudo se
constrói mas também se destrói. Mais de cem anos depois,
essa metafísica do tempo continua a dar belos frutos. Nas
mãos de François Ozon, a indagação sobre seus efeitos transforma-se em um dos mais belos
filmes do ano.
Sintético na duração (85 minutos), "O Tempo que Resta"
narra o período na vida de um
fotógrafo de moda arrogante
quando descobre que sofre de
um câncer letal e que terá poucos meses de vida. Como a personagem de "Cleo de 5 às 7", de
Agnès Varda, a má notícia impõe, mais que uma súbita revisão dos valores da personagem,
uma alteração em seu mundo e
em sua visão de mundo.
Cineasta irregular, Ozon tem
o costume de partir de premissas estimulantes de roteiro,
mas se perder em demonstrações, como em "Swimming
Pool", cuja excelência psicológica da primeira hora é desperdiçada em seguida.
Ao contrário, "O Tempo que
Resta" é um filme que cresce à
medida que o personagem entra num beco sem saída. Sua
psicologia, esboçada nas primeiras cenas, ganha em profundidade na razão dos encontros e desencontros que a presença da morte impõe. É assim
que "O Tempo" evolui de mera
reflexão existencialista para retomar outro tema freqüente
em Ozon: o amor e suas razões.
Depuração
Pois é sob o signo do fim,
mais uma vez, que o diretor retoma sua obsessão sobre a degradação dos sentimentos, exposto aqui na figura do amante,
mas, sobretudo, na dimensão
da família (pais, irmã e avó, presente na imagem sublime de
Jeanne Moreau velha).
Não há ênfase no martírio
nem romantização do personagem, pois o filme evolui como
um processo quase abstrato de
depuração das emoções. A dor
avança gradualmente até alcançar um patamar de beleza
que o diretor mantém sem recorrer a cacoetes de estilo.
Em contraponto, predomina
uma paixão física no filme, conduzida pela presença magnética de Melvil Poupaud, protagonista. Por meio dele, o corpo alcança o status do visível, forma
essencial da representação no
cinema. Trata-se de um corpo
que sofre e no qual o espectador sente as forças minguarem.
Há, porém, ali uma vitalidade
encarnada sob essa forma de
transmissão mais conhecida de
todas, esse intangível que denominamos amor.
Tanto a morte como o amor
passam pelo corpo e é este que
torna essas duas vivências visíveis, e tangíveis, no filme. Graças a essa atenção aos corpos,
Ozon oferece uma das mais belas cenas de sexo do cinema,
um "ménage-à-trois" filmado
com uma sobriedade e um erotismo que produzem um enorme impacto no espectador.
Naquele momento, em que a morte se transforma em vida, em
que o amor atua como a força
que reúne, Ozon abandona sua
concepção niilista e executa
um hino ao tempo como o grande enigma que tudo move.
O TEMPO QUE RESTA
Direção: François Ozon
Produção: França, 2005
Com: Melvil Poupaud, Jeanne Moreau
Quando: em cartaz nos cines Espaço Unibanco e Unibanco Arteplex
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