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"EUA são vítimas da política religiosa"
Biólogo afirma que país está vivendo um ataque à racionalidade e aos valores iluministas que inspiraram a sua fundação
"Os ataques ignorantes e absolutistas às pesquisas com células-tronco representam apenas a ponta de um iceberg"
RICHARD DAWKINS
A América, fundada em
meio ao secularismo
como farol do iluminismo do século 18, está se tornando vítima da política religiosa
-uma circunstância que teria
chocado seus fundadores. A
tendência política hoje ascendente atribui mais valor a células embrionárias que a pessoas
adultas. Ela se preocupa obsessivamente com o casamento
entre homossexuais, em detrimento de questões genuinamente importantes que de fato
fazem uma diferença para o
mundo. Conquista apoio eleitoral crucial de um eleitorado
religioso cujo domínio da realidade é tão tênue que seus integrantes esperam ser "carregados em êxtase" ao paraíso, deixando suas roupas tão vazias
quanto suas mentes.
Seus expoentes mais radicais
chegam a ansiar por uma guerra mundial, que identificam como o armagedon que deve ser o
presságio do retorno de Cristo
à Terra. Em seu novo livro curto "Letter to a Christian Nation" (carta a uma nação cristã), Sam Harris, como de costume, acerta o alvo em cheio:
"Não constitui exagero, portanto, dizer que, se a cidade de
Nova York fosse repentinamente substituída por uma bola de fogo, uma porcentagem
significativa da população americana enxergaria um aspecto
positivo na nuvem atômica
subseqüente, já que esta sugeriria a essas pessoas que estaria
por acontecer a melhor coisa
possível: o retorno de Cristo.
Imaginem-se as conseqüências
se uma parcela significativa do
governo americano acreditasse
de fato que o mundo está prestes a acabar e que seu fim será
glorioso. O fato de que quase
metade da população americana aparentemente acredita nisso, puramente com base em
dogmas religiosos, deve ser visto como emergência moral e intelectual."
Ataques absolutistas
Meus colegas cientistas têm
razões adicionais para declarar
estado de emergência. Os ataques ignorantes e absolutistas
às pesquisas com células-tronco representam apenas a ponta
de um iceberg. O que temos
aqui não é nada menos que um
ataque global à racionalidade e
aos valores iluministas que inspiraram a fundação desta primeira e maior das repúblicas
seculares. O ensino de ciências
-logo, todo o futuro da ciência
neste país- se encontra sob
ameaça. Temporariamente
derrotada num tribunal da
Pensilvânia, a "inanidade estarrecedora" (na frase imortal do
juiz John Jones) do design inteligente continuamente ressurge em incêndios florestais
locais [alusão ao juiz que proibiu em 2005 uma escola de ensinar o design inteligente porque isto seria inconstitucional].
Apagar esses incêndios é
uma responsabilidade que consome muito tempo, mas é importante, e os cientistas estão
finalmente sendo arrancados
de sua complacência. Durante
anos eles trabalharam tranqüilamente com sua ciência, lamentavelmente subestimando
os criacionistas que, sendo
tampouco competentes ou interessados na ciência, se ocuparam com o trabalho político sério de subverter os conselhos
locais de ensino. Os cientistas, e
os intelectuais de modo geral,
agora estão despertando para a
ameaça representada pelo Talebã americano.
Tática dos cientistas
Os cientistas se dividem entre duas linhas de pensamento
quanto à melhor tática com a
qual fazer frente à ameaça. A
escola de "conciliação" de Neville Chamberlain focaliza a batalha pela evolução. Conseqüentemente, seus integrantes
identificam o fundamentalismo como sendo o inimigo e se
esforçam ao máximo para conciliar com a religião "moderada" ou "sensata" (uma tarefa
que não é difícil, na medida em
que bispos e teólogos rejeitam
os fundamentalistas tanto
quanto o fazem os cientistas).
Já os cientistas da escola
Winston Churchill vêem a luta
pela evolução como apenas
uma batalha em uma guerra
mais ampla: uma guerra que se
aproxima entre o sobrenaturalismo e a racionalidade. Para
eles, bispos e teólogos se enquadram no campo sobrenatural, lado a lado com os criacionistas, e não se deve procurar
conciliar com eles.
Um artigo recente de Cornelia Dean no "New York Times"
cita o astrônomo Owen Gingerich como tendo dito que, ao
advogar simultaneamente a
evolução e o ateísmo, "o dr.
Dawkins sozinho provavelmente atrai mais convertidos
para o design inteligente do que
qualquer dos mais destacados
teóricos do design inteligente".
Não é a primeira, nem a segunda, nem mesmo a terceira vez
que se apresenta esse argumento insuperavelmente destituído de bom senso.
Este artigo foi originalmente publicado no "Huffington Post".
Tradução de Clara Allain
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