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MANUEL DA COSTA PINTO
Aforismo como antídoto
"O Mundo em uma Frase" permite ver o aforismo como gênero singular dentro da tradição das formas breves
EXISTEM LEITORES ávidos de
romances e há quem prefira o
extremo oposto, as fórmulas
epigramáticas, a concisão das sentenças. Não se trata de profundidade, num caso, ou de preguiça intelectual, no outro. Afinal, cartapácios de
800 páginas podem conter tanto
"Ana Karenina" quanto literatura
de aeroporto; e se as frases lapidares
servem de veículo aos lugares-comuns, também dão forma a um gênero de incontestável nobreza: o
aforismo.
É esse o tema de "O Mundo em
uma Frase: Uma Breve História do
Aforismo", de James Geary. Com
uma introdução sintética como convém (e na qual Geary se revela um
espirituoso autor de agudezas), o livro é uma seqüência de verbetes em
que desfilam os principais cultores
das formas breves ao longo dos séculos. O critério de escolha de Geary é
complacente e tem o mérito discutível de colocar Lao Tsé, Jesus e Maomé no mesmo balaio de Epicuro e
Sêneca, de equiparar as máximas de
La Rochefoucauld ao "estilo axiomático" de Wittgenstein.
Tamanha abrangência permite
uma visão de conjunto da longuíssima tradição da literatura sentenciosa e talvez corresponda ao espírito
anti-dogmático que está na raiz da
escrita aforística. Entretanto, essa
equivalência entre o aforismo e seus
antecedentes históricos (epigramas,
apotegmas, provérbios) põe a perder a singularidade que o estilo fragmentário assume no começo da era
moderna.
Geary se mostra consciente disso
ao comentar afinidades entre Bacon
e Schlegel, autores nos quais "a filosofia fragmentada refletia com
maior exatidão a natureza mutável e
aleatória do pensamento -e a experiência da própria vida". Ao longo do
livro, porém, elege o "wit", o chiste, a
tirada de efeito como parâmetro.
"O Mundo em uma Frase" é apenas um convite para o leitor entrar
nesse universo no qual as iluminações rapsódicas ocultam um complexo jogo entre verdade e opinião,
entre a "doxa" (o senso comum) e o
paradoxo (que a põe em xeque).
Pois o aforismo (e correlatos como adágios e máximas) não se confunde com o "dictum impersonale",
o provérbio impessoal de extração
medieval, que dá tom prescritivo e
moralizante a verdades consolidadas. Foi justamente contra o império de uma sabedoria antiga, demasiado sistemática, que o aforismo se
instituiu como uma "transmutação
estética do desespero".
A expressão de Jean Starobinski é
aplicável a moralistas como Pascal
ou La Rochefoucauld e mostra como
a máxima dramatiza, na brevidade
de uma descrição, o alcance da ação
e do saber humanos: "A felicidade só
teve início no momento em que a
perdi", diz Chamfort em "Máximas
e Pensamentos" (que acaba de ser
lançado pela José Olympio, com seleção de Cláudio Figueiredo).
O aforismo, enfim, é revanche da
inteligência contra seus limites:
"Aforismo como antídoto", diria o
poeta Adolfo Montejo Navas.
O MUNDO EM UMA FRASE
Autor: James Geary
Tradutor: Claudia Gama Martinelli
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 33,90 (264 págs.)
Avaliação: regular
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