São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2007

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MANUEL DA COSTA PINTO

Aforismo como antídoto

"O Mundo em uma Frase" permite ver o aforismo como gênero singular dentro da tradição das formas breves

EXISTEM LEITORES ávidos de romances e há quem prefira o extremo oposto, as fórmulas epigramáticas, a concisão das sentenças. Não se trata de profundidade, num caso, ou de preguiça intelectual, no outro. Afinal, cartapácios de 800 páginas podem conter tanto "Ana Karenina" quanto literatura de aeroporto; e se as frases lapidares servem de veículo aos lugares-comuns, também dão forma a um gênero de incontestável nobreza: o aforismo.
É esse o tema de "O Mundo em uma Frase: Uma Breve História do Aforismo", de James Geary. Com uma introdução sintética como convém (e na qual Geary se revela um espirituoso autor de agudezas), o livro é uma seqüência de verbetes em que desfilam os principais cultores das formas breves ao longo dos séculos. O critério de escolha de Geary é complacente e tem o mérito discutível de colocar Lao Tsé, Jesus e Maomé no mesmo balaio de Epicuro e Sêneca, de equiparar as máximas de La Rochefoucauld ao "estilo axiomático" de Wittgenstein.
Tamanha abrangência permite uma visão de conjunto da longuíssima tradição da literatura sentenciosa e talvez corresponda ao espírito anti-dogmático que está na raiz da escrita aforística. Entretanto, essa equivalência entre o aforismo e seus antecedentes históricos (epigramas, apotegmas, provérbios) põe a perder a singularidade que o estilo fragmentário assume no começo da era moderna.
Geary se mostra consciente disso ao comentar afinidades entre Bacon e Schlegel, autores nos quais "a filosofia fragmentada refletia com maior exatidão a natureza mutável e aleatória do pensamento -e a experiência da própria vida". Ao longo do livro, porém, elege o "wit", o chiste, a tirada de efeito como parâmetro.
"O Mundo em uma Frase" é apenas um convite para o leitor entrar nesse universo no qual as iluminações rapsódicas ocultam um complexo jogo entre verdade e opinião, entre a "doxa" (o senso comum) e o paradoxo (que a põe em xeque).
Pois o aforismo (e correlatos como adágios e máximas) não se confunde com o "dictum impersonale", o provérbio impessoal de extração medieval, que dá tom prescritivo e moralizante a verdades consolidadas. Foi justamente contra o império de uma sabedoria antiga, demasiado sistemática, que o aforismo se instituiu como uma "transmutação estética do desespero".
A expressão de Jean Starobinski é aplicável a moralistas como Pascal ou La Rochefoucauld e mostra como a máxima dramatiza, na brevidade de uma descrição, o alcance da ação e do saber humanos: "A felicidade só teve início no momento em que a perdi", diz Chamfort em "Máximas e Pensamentos" (que acaba de ser lançado pela José Olympio, com seleção de Cláudio Figueiredo).
O aforismo, enfim, é revanche da inteligência contra seus limites: "Aforismo como antídoto", diria o poeta Adolfo Montejo Navas.


O MUNDO EM UMA FRASE
Autor:
James Geary
Tradutor: Claudia Gama Martinelli
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 33,90 (264 págs.)
Avaliação: regular


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