São Paulo, sábado, 25 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/romance

Gombrowicz brinca com literatura policial

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro não segue uma lógica muito clara, não tem personagens bem construídos nem um enredo que prime por acontecimentos marcantes. Quem acha que isso é essencial talvez se surpreenda com "Cosmos", último romance escrito pelo polonês Witold Gombrowicz (1904-1969).
Brincando com o modelo da literatura policial, o autor constrói sua narrativa a respeito de muito pouco: dois rapazes que se encontram e chegam a uma pensão, perto da qual avistam um pardal enforcado (o crime).
A partir desse princípio mínimo, acontece uma investigação, que envolve os moradores da casa e, principalmente, uma espécie obsessiva de loucura associativa, na qual tudo pode remeter a tudo, e esse tudo é quase sempre quase nada (a posição de um varal, uma suposta seta no teto, um graveto, um fio...): "À luz do luar sorri diante de suaves considerações sobre a impotência da mente diante de uma realidade que ultrapassa, confunde e embaralha... Não existe combinação possível... Qualquer combinação é possível".
Atacado por essa demolidora máquina de tédio e acaso, pouco a pouco inúmeros elementos vão sendo desmontados, o tal modelo policial, o sexo, a igreja, a própria linguagem (que resiste bravamente): "Uma dupla ou tripla berguemização com um berg, com um determinado sistema silêncio-bergoniano e discreto-bergoniano, a qualquer hora do dia ou da noite e, de preferência, à mesa do jantar, uma bemberguenização diante dos olhos da mulherzinha e da filhinha! Berg! Berg!".
Autor de uma obra incomum, Gombrowicz teve também uma vida incomum. Estava na Argentina quando começou a Segunda Guerra Mundial e se viu obrigado a ficar por lá por mais de 20 anos, retornando para a Europa apenas em 1963, para aproveitar, por pouco tempo, o merecido reconhecimento.
Nesse período de exílio forçado, atravessou inúmeras dificuldades financeiras e de ajuste na sociedade local (Borges e ele, por exemplo, não se entendiam nem um pouco...).
Quem quiser conhecê-lo um pouco melhor, além do diário e de obras como "Pornografia" ou "Ferdydurke", deve ler também "Respiração Artificial", de Ricardo Piglia, livro em que o papel e a importância de Gombrowicz para a literatura argentina são bastante discutidos e que tem um de seus protagonistas evidentemente inspirado na biografia do polonês.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

COSMOS
Autor:
Witold Gombrowicz
Tradução: Tomasz Barcinski, Carlos Alexandre Sá
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38,50 (192 págs.)
Avaliação: ótimo

Leia trecho


Texto Anterior: Vitrine
Próximo Texto: Documentário: Filme prefere paparazzi a Diana
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.