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Crítica/romance
Gombrowicz brinca com literatura policial
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
O livro não segue uma lógica muito clara, não
tem personagens bem
construídos nem um enredo
que prime por acontecimentos
marcantes. Quem acha que isso
é essencial talvez se surpreenda com "Cosmos", último romance escrito pelo polonês Witold Gombrowicz (1904-1969).
Brincando com o modelo da
literatura policial, o autor constrói sua narrativa a respeito de
muito pouco: dois rapazes que
se encontram e chegam a uma
pensão, perto da qual avistam
um pardal enforcado (o crime).
A partir desse princípio mínimo, acontece uma investigação, que envolve os moradores
da casa e, principalmente, uma
espécie obsessiva de loucura
associativa, na qual tudo pode
remeter a tudo, e esse tudo é
quase sempre quase nada (a posição de um varal, uma suposta
seta no teto, um graveto, um
fio...): "À luz do luar sorri diante
de suaves considerações sobre
a impotência da mente diante
de uma realidade que ultrapassa, confunde e embaralha... Não
existe combinação possível...
Qualquer combinação é possível".
Atacado por essa demolidora
máquina de tédio e acaso, pouco a pouco inúmeros elementos
vão sendo desmontados, o tal
modelo policial, o sexo, a igreja,
a própria linguagem (que resiste bravamente): "Uma dupla ou
tripla berguemização com um
berg, com um determinado sistema silêncio-bergoniano e discreto-bergoniano, a qualquer
hora do dia ou da noite e, de
preferência, à mesa do jantar,
uma bemberguenização diante
dos olhos da mulherzinha e da
filhinha! Berg! Berg!".
Autor de uma obra incomum,
Gombrowicz teve também uma
vida incomum. Estava na Argentina quando começou a Segunda Guerra Mundial e se viu
obrigado a ficar por lá por mais
de 20 anos, retornando para a
Europa apenas em 1963, para
aproveitar, por pouco tempo, o
merecido reconhecimento.
Nesse período de exílio forçado, atravessou inúmeras dificuldades financeiras e de ajuste
na sociedade local (Borges e ele,
por exemplo, não se entendiam
nem um pouco...).
Quem quiser conhecê-lo um
pouco melhor, além do diário e
de obras como "Pornografia"
ou "Ferdydurke", deve ler também "Respiração Artificial", de
Ricardo Piglia, livro em que o
papel e a importância de Gombrowicz para a literatura argentina são bastante discutidos e
que tem um de seus protagonistas evidentemente inspirado na biografia do polonês.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
COSMOS
Autor: Witold Gombrowicz
Tradução: Tomasz Barcinski, Carlos Alexandre Sá
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 38,50 (192 págs.)
Avaliação: ótimo
Leia trecho
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