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CRÍTICA
Disco traz balanço e bom humor ao rap
DA REPORTAGEM LOCAL
O que chama a atenção, inicialmente, é a forte diferença
que se pode perceber entre a cultura hip hop paulistana, bem mais
desenvolvida, e a carioca, que dá
salto decisivo agora, neste "Hip
Hop Rio", de Marcelo D2 e sua
gangue.
A dureza de feição, o mau humor e a sisudez dos rappers paulistanos chega, em versão carioca,
atenuada. O rap em "Hip Hop
Rio" não evita temas polêmicos
nem pesados, mas é bem-humorado, musical e visita o samba.
São dados que o rap de São Paulo
parece só há pouco ter começado
a explorar melhor, nas fortes figuras de SNJ e Rappin" Hood.
É um momento de virada para o
movimento no Rio. Até aqui, pelo
menos aos olhos do Brasil, rap ali
só eram o som viajandão do Planet Hemp e o pop fantasiado de
rap de Gabriel o Pensador. Era
pouca coisa, muito pouca.
Mas o disquinho "Hip Hop Rio"
apresenta um elenco formidável,
em faixas também admiráveis,
provavelmente uniformizadas e
equacionadas pela interferência
de produtor de D2. Ele, aliás, pela
primeira vez se mostra plenamente à vontade na fórmula carioca de hip hop, seja produzindo
o disco, seja em sua faixa solo, a
cínica e melódica "A Maldição do
Samba". É um dos primeiros legítimos sambas-rap nacionais, viva.
Mahal, filho de Luiz Melodia,
inicia o disco com "MC's Emergentes", mostrando-se imaturo,
de dicção pesada e discurso descoordenado. Mas, entre termos
da hora ("motins", "terroristas",
"explosivos", "bombas bacteriológicas") e frases exibidas/delirantes ("vão emergir/ MC's no
Brasil fortalecendo a cultura hip
hop/ criando identidade forte/ superando supremacia do rap que
vem da América do Norte"), passa no teste. E é pacifista, como de
resto quase todo rapper carioca.
Na sequência, o grupo 3 Preto
aparece como a primeira grande
revelação do CD, amalgamando
em "Estaca Zero" mote samba-rock roubado de Bebeto e rap-rock da pesada. Black Alien e
Speed, já bem conhecidos no circuito, passam bem pela meio raggamufin "Rude Boy Style".
Mais um momento de destaque:
em "Lenda Viva", os Inumanos
fazem rap acelerado, de beats
quebrados e versos melódicos espertíssimos como "pretinho tipo
A, assistindo filme B, bebendo leite C, deu pra perceber o que ia
acontecer com aquele moleque".
As meninas dizem a que vieram,
também. O trio Negaativa (o nome é um achado) mescla climinha
de desenho animado e batida de
samba na solta e divertida "Pula
na Muvuca".
BNegão, que parecia perdido no
grupo Funk Fuckers, parece encontrar seu prumo solo na meio
gangsta "Prioridade". O (semi)refrão, cantado por um coro, é impactante: "Felicidade completa
como uma boca sem dente/ tão libertário quanto uma bola de ferro
com concorrente". O verso "living la vida tosca", sátira e agressão ao comportamento tipo Ricky
Martin, é quase sintético do discurso que o hip hop quer trazer.
Passa o Núcleo Sucata Sound,
sem grandes novidades, e o DJ
Negralha, chapa dos moços do
Rappa, passa com rapidez e desenvoltura, sob citações black power ao doidão Noriel Vilela e à
dupla Totó & Lady Zu.
A faixa de D2, lá pelo final do
disco, fica ensanduichada entre
dois raps de discurso mais agressivo, o do Artigo 331 e o do Esquadrão Zona Norte ("FHC, saia do
poder pela força do Esquadrão
Zona Norte", diz a letra).
A faixa final, "A Última do Disco", com todo o elenco fazendo
agradecimentos e dedicatórias, é
uma chatice, mas não compromete -é só pular.
No todo, é material à beça para
enriquecer a nova música pop
brasileira, feita de rua, dureza e vivência. Se Rio, com seu poder
musical e seu alto astral, e São
Paulo, com sua contundência, resolverem aprender mais uma
com a outra, vem coisa boa por aí.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Hip Hop Rio
Lançamento: Coletivo/Net Records
Quanto: R$ 14,90, em bancas de jornal
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