São Paulo, terça-feira, 25 de setembro de 2001

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CRÍTICA

Disco traz balanço e bom humor ao rap

DA REPORTAGEM LOCAL

O que chama a atenção, inicialmente, é a forte diferença que se pode perceber entre a cultura hip hop paulistana, bem mais desenvolvida, e a carioca, que dá salto decisivo agora, neste "Hip Hop Rio", de Marcelo D2 e sua gangue.
A dureza de feição, o mau humor e a sisudez dos rappers paulistanos chega, em versão carioca, atenuada. O rap em "Hip Hop Rio" não evita temas polêmicos nem pesados, mas é bem-humorado, musical e visita o samba. São dados que o rap de São Paulo parece só há pouco ter começado a explorar melhor, nas fortes figuras de SNJ e Rappin" Hood.
É um momento de virada para o movimento no Rio. Até aqui, pelo menos aos olhos do Brasil, rap ali só eram o som viajandão do Planet Hemp e o pop fantasiado de rap de Gabriel o Pensador. Era pouca coisa, muito pouca.
Mas o disquinho "Hip Hop Rio" apresenta um elenco formidável, em faixas também admiráveis, provavelmente uniformizadas e equacionadas pela interferência de produtor de D2. Ele, aliás, pela primeira vez se mostra plenamente à vontade na fórmula carioca de hip hop, seja produzindo o disco, seja em sua faixa solo, a cínica e melódica "A Maldição do Samba". É um dos primeiros legítimos sambas-rap nacionais, viva.
Mahal, filho de Luiz Melodia, inicia o disco com "MC's Emergentes", mostrando-se imaturo, de dicção pesada e discurso descoordenado. Mas, entre termos da hora ("motins", "terroristas", "explosivos", "bombas bacteriológicas") e frases exibidas/delirantes ("vão emergir/ MC's no Brasil fortalecendo a cultura hip hop/ criando identidade forte/ superando supremacia do rap que vem da América do Norte"), passa no teste. E é pacifista, como de resto quase todo rapper carioca.
Na sequência, o grupo 3 Preto aparece como a primeira grande revelação do CD, amalgamando em "Estaca Zero" mote samba-rock roubado de Bebeto e rap-rock da pesada. Black Alien e Speed, já bem conhecidos no circuito, passam bem pela meio raggamufin "Rude Boy Style".
Mais um momento de destaque: em "Lenda Viva", os Inumanos fazem rap acelerado, de beats quebrados e versos melódicos espertíssimos como "pretinho tipo A, assistindo filme B, bebendo leite C, deu pra perceber o que ia acontecer com aquele moleque".
As meninas dizem a que vieram, também. O trio Negaativa (o nome é um achado) mescla climinha de desenho animado e batida de samba na solta e divertida "Pula na Muvuca".
BNegão, que parecia perdido no grupo Funk Fuckers, parece encontrar seu prumo solo na meio gangsta "Prioridade". O (semi)refrão, cantado por um coro, é impactante: "Felicidade completa como uma boca sem dente/ tão libertário quanto uma bola de ferro com concorrente". O verso "living la vida tosca", sátira e agressão ao comportamento tipo Ricky Martin, é quase sintético do discurso que o hip hop quer trazer.
Passa o Núcleo Sucata Sound, sem grandes novidades, e o DJ Negralha, chapa dos moços do Rappa, passa com rapidez e desenvoltura, sob citações black power ao doidão Noriel Vilela e à dupla Totó & Lady Zu.
A faixa de D2, lá pelo final do disco, fica ensanduichada entre dois raps de discurso mais agressivo, o do Artigo 331 e o do Esquadrão Zona Norte ("FHC, saia do poder pela força do Esquadrão Zona Norte", diz a letra).
A faixa final, "A Última do Disco", com todo o elenco fazendo agradecimentos e dedicatórias, é uma chatice, mas não compromete -é só pular.
No todo, é material à beça para enriquecer a nova música pop brasileira, feita de rua, dureza e vivência. Se Rio, com seu poder musical e seu alto astral, e São Paulo, com sua contundência, resolverem aprender mais uma com a outra, vem coisa boa por aí.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)



Hip Hop Rio
    
Lançamento: Coletivo/Net Records
Quanto: R$ 14,90, em bancas de jornal




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