São Paulo, terça-feira, 25 de setembro de 2001

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"VIDA LOCA"

Racionais MC's apresentam novo show, celebrando dogma e paz

Rappers se confraternizam com manos em Interlagos

DA REPORTAGEM LOCAL

O evento era fechado. Sem divulgação para além do mundo dos manos, os Racionais MC's apresentaram na noite de domingo, num cantinho do Autódromo de Interlagos, raps de seu próximo disco. Já muito adiado, "Vida Loca" deve sair em novembro, contou à platéia Mano Brown.
Entre faixas de "Sobrevivendo no Inferno" (97), como "Capítulo 4, Versículo 3", "Diário de um Detento" e "Mágico de Oz", cantadas de cor e salteado por todo e qualquer mano que estivesse por ali, Mano Brown e seu grupo inseriram algumas das novas composições, recebidas com curiosidade meio gelada pela platéia.
"Um por amor/ dois por dinheiro/ Capão de fé/ sou guerreiro", "mostra a cara, mr. M", "kamikase", "guerreiro de fé", "gladiador", "pivete", "se o crime é a doença/ eu conheço a infecção", "não há nada na vida/ que o amor não supere", profere Brown numa das novas composições. "Deus é uma nota de cem", diz em outra, celebrando a "vida loca".
Atraídos pelos novos versos, fãs e colegas vão lotando o fundo do palco, num festim democrático, quase 50 camaradas fazendo uma escolta informal em torno de um "rei do rap".
"Para a rapaziada do Capão Redondo, pela primeira vez, do novo disco", dedica o líder. Os manos da zona sul de São Paulo são os alvos preferenciais: "Embora a gente tenha muito problema da ponte para lá, da ponte para cá é muito mais", descreveu Brown, sob profundo silêncio da multidão interessada.
"A profecia diz que o mundo tá pra se acabar", cantam/falam os Racionais, cuspindo termos como guerrilha, favela, senzala, mauricinho, crime hediondo, dinheiro, mãos ao alto, vulcão, veneno, política, crime, santo, droga, novela, favela de novo...
O discurso é atropelado, fragmentário de valores conflitantes que se sobrepõem. Durante o show, um telão projeta imagens de um vídeo da CBS Fox, sobre um bem-sucedido jogador norte-americano de basquete que relaxa na hidromassagem entre uma cesta certa e outra. O discurso é antiamericano, antiimperialista, mas o vídeo de fundo advoga a cobiça, o negro forte norte-americano como modelo almejado.
Mano Brown se cala, e o vídeo corta para imagens daqui, manos da zona sul soltando a voz em fala "rappeada", atropelada. "Tenho manos ao redor de mim", profere outro mano. "Os da direita e os da esquerda. Os da direita são trabalhadores, os da esquerda estão na cadeia ou mortos." É a gota d'água num oceano de sentenças de rancor, de crueldade, de mau humor, de desencanto.
Mas aí acaba, e antes de deixar o rebanho se dispersar Brown adverte contra o racismo e a polícia: "Vamos passar por cima, não vamos ser orgulhosos do crime. O crime está levando nossos irmãos embora. Seja homem, seja você".
Os manos de Brown se vão. Do lado de fora, a Polícia Militar está irritada porque "autódromo é lugar de corrida, não de barulho". Mas nenhuma, nenhuma ocorrência policial sequer foi registrada, nas quase dez horas em que os manos estiveram por ali.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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