|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"VIDA LOCA"
Racionais MC's apresentam novo show, celebrando dogma e paz
Rappers se confraternizam com manos em Interlagos
DA REPORTAGEM LOCAL
O evento era fechado. Sem
divulgação para além do
mundo dos manos, os Racionais
MC's apresentaram na noite de
domingo, num cantinho do Autódromo de Interlagos, raps de seu
próximo disco. Já muito adiado,
"Vida Loca" deve sair em novembro, contou à platéia Mano
Brown.
Entre faixas de "Sobrevivendo
no Inferno" (97), como "Capítulo
4, Versículo 3", "Diário de um Detento" e "Mágico de Oz", cantadas
de cor e salteado por todo e qualquer mano que estivesse por ali,
Mano Brown e seu grupo inseriram algumas das novas composições, recebidas com curiosidade
meio gelada pela platéia.
"Um por amor/ dois por dinheiro/ Capão de fé/ sou guerreiro",
"mostra a cara, mr. M", "kamikase", "guerreiro de fé", "gladiador", "pivete", "se o crime é a
doença/ eu conheço a infecção",
"não há nada na vida/ que o amor
não supere", profere Brown numa das novas composições.
"Deus é uma nota de cem", diz em
outra, celebrando a "vida loca".
Atraídos pelos novos versos, fãs
e colegas vão lotando o fundo do
palco, num festim democrático,
quase 50 camaradas fazendo uma
escolta informal em torno de um
"rei do rap".
"Para a rapaziada do Capão Redondo, pela primeira vez, do novo disco", dedica o líder. Os manos da zona sul de São Paulo são
os alvos preferenciais: "Embora a
gente tenha muito problema da
ponte para lá, da ponte para cá é
muito mais", descreveu Brown,
sob profundo silêncio da multidão interessada.
"A profecia diz que o mundo tá
pra se acabar", cantam/falam os
Racionais, cuspindo termos como guerrilha, favela, senzala,
mauricinho, crime hediondo, dinheiro, mãos ao alto, vulcão, veneno, política, crime, santo, droga, novela, favela de novo...
O discurso é atropelado, fragmentário de valores conflitantes
que se sobrepõem. Durante o
show, um telão projeta imagens
de um vídeo da CBS Fox, sobre
um bem-sucedido jogador norte-americano de basquete que relaxa
na hidromassagem entre uma
cesta certa e outra. O discurso é
antiamericano, antiimperialista,
mas o vídeo de fundo advoga a
cobiça, o negro forte norte-americano como modelo almejado.
Mano Brown se cala, e o vídeo
corta para imagens daqui, manos
da zona sul soltando a voz em fala
"rappeada", atropelada. "Tenho
manos ao redor de mim", profere
outro mano. "Os da direita e os da
esquerda. Os da direita são trabalhadores, os da esquerda estão na
cadeia ou mortos." É a gota d'água num oceano de sentenças de
rancor, de crueldade, de mau humor, de desencanto.
Mas aí acaba, e antes de deixar o
rebanho se dispersar Brown adverte contra o racismo e a polícia:
"Vamos passar por cima, não vamos ser orgulhosos do crime. O
crime está levando nossos irmãos
embora. Seja homem, seja você".
Os manos de Brown se vão. Do
lado de fora, a Polícia Militar está
irritada porque "autódromo é lugar de corrida, não de barulho".
Mas nenhuma, nenhuma ocorrência policial sequer foi registrada, nas quase dez horas em que os
manos estiveram por ali.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Texto Anterior: Música: Marisa Monte pede oração pela paz durante show Próximo Texto: Artes plásticas: Thomaz Ianelli morre em São Paulo Índice
|