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ARTES/CRÍTICA
Realizado no Carnaval de Salvador, "De Lama Lâmina" está sendo exibido na Pinacoteca de São Paulo
Barney adota estética da fome em seu filme
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
Deve ter sido o Carnaval mais
esquisito de todos os tempos
na Bahia, o de fevereiro de 2004.
Um dos trios elétricos era puxado
pelo compositor americano Arto
Lindsay e o bloco Cortejo Afro. O
carro alegórico do bloco, criado
pelo artista americano Matthew
Barney, consistia num trator com
uma árvore dependurada, onde
uma mulher subia e descia sem
parar, enquanto, na parte baixa e
oculta da máquina, um homem
nu espremia seu pênis num dos
rolamentos do motor.
Tudo isso foi filmado por Barney, um dos principais artistas
contemporâneos, e resultou num
outro trabalho extraordinário, o
filme "De Lama Lâmina", cuja
première mundial aconteceu na
sexta na Pinacoteca do Estado.
"De Lama Lâmina" ressalta o
quanto há de superprodução em
"Cremaster" (em exibição na Pinacoteca), obra-prima do artista.
Ele abriu mão das performances
filmadas em ambientes ultraplanejados e com objetos-esculturas
muito sofisticados para criar diretamente nas ruas, com materiais
mais rudes e contando bastante
com o improviso e, pela primeira
vez, com o "povo".
O trator-árvore é uma grande
instalação ambulante, que serve
de espaço de performance aos
"personagens" Julia Butterfly Hill
(a mulher na árvore) e Greenman
(o homem embaixo do trator). Julia é o contraponto a Greenman,
os dois implicados na instalação
em que corpo, máquina, barro e
vegetal formam um organismo
complexo e crítico. Greenman é
puro instinto, pura despesa do desejo. Julia é a "atleta" da superação, a energia que vai se organizando em criação. Esta dicotomia
já estruturava "Cremaster".
Não há nada de exoticamente
brasileiro no filme de Barney. O
filme é lento, descolorido, e transgride a cena folclórica do Carnaval com sua alegoria "geopolítica"
(palavras dele) sobre a mecânica
da vontade e a força trágica que
envolve homem, natureza e máquina num mesmo e incessante
processo de destruição e criação.
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