São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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ARTES/CRÍTICA

Realizado no Carnaval de Salvador, "De Lama Lâmina" está sendo exibido na Pinacoteca de São Paulo

Barney adota estética da fome em seu filme

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Deve ter sido o Carnaval mais esquisito de todos os tempos na Bahia, o de fevereiro de 2004. Um dos trios elétricos era puxado pelo compositor americano Arto Lindsay e o bloco Cortejo Afro. O carro alegórico do bloco, criado pelo artista americano Matthew Barney, consistia num trator com uma árvore dependurada, onde uma mulher subia e descia sem parar, enquanto, na parte baixa e oculta da máquina, um homem nu espremia seu pênis num dos rolamentos do motor.
Tudo isso foi filmado por Barney, um dos principais artistas contemporâneos, e resultou num outro trabalho extraordinário, o filme "De Lama Lâmina", cuja première mundial aconteceu na sexta na Pinacoteca do Estado.
"De Lama Lâmina" ressalta o quanto há de superprodução em "Cremaster" (em exibição na Pinacoteca), obra-prima do artista. Ele abriu mão das performances filmadas em ambientes ultraplanejados e com objetos-esculturas muito sofisticados para criar diretamente nas ruas, com materiais mais rudes e contando bastante com o improviso e, pela primeira vez, com o "povo".
O trator-árvore é uma grande instalação ambulante, que serve de espaço de performance aos "personagens" Julia Butterfly Hill (a mulher na árvore) e Greenman (o homem embaixo do trator). Julia é o contraponto a Greenman, os dois implicados na instalação em que corpo, máquina, barro e vegetal formam um organismo complexo e crítico. Greenman é puro instinto, pura despesa do desejo. Julia é a "atleta" da superação, a energia que vai se organizando em criação. Esta dicotomia já estruturava "Cremaster".
Não há nada de exoticamente brasileiro no filme de Barney. O filme é lento, descolorido, e transgride a cena folclórica do Carnaval com sua alegoria "geopolítica" (palavras dele) sobre a mecânica da vontade e a força trágica que envolve homem, natureza e máquina num mesmo e incessante processo de destruição e criação.


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