|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Faroeste caboclo
Nova novela das sete da Globo satiriza o país com western e aposta em linguagens diferentes
MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
Quando começar o primeiro capítulo de "Bang Bang", a novela
das sete que a Globo estréia no dia
4, a emissora inicia testes de uma
nova linguagem e diferentes estéticas em relação ao seu tradicional
padrão de produção.
Os quatro primeiros minutos da
novela serão em anime (técnica
de desenho animado japonesa)
na tentativa de atrair o público jovem, minimizar os efeitos da violência na TV e escapar das críticas
por causa do horário. Além disso,
recursos de computação gráfica
-antes utilizados em minisséries- estarão no folhetim.
"Bang Bang", um faroeste cujo
cenário é baseado nos clássicos do
western norte-americano, é de
autoria de Mário Prata, 59, roteirista conhecido pelo texto leve,
com pitadas de humor e que estava afastado da emissora havia 20
anos -seu último trabalho foi
"Um Sonho a Mais" (1985), em
parceria com Lauro César Muniz.
"É uma novela muito específica,
pois todo o seu universo é criado.
É diferente de fazer novela de época ou contemporânea, quando
você pesquisa e transpõe os elementos para as telas. É um faroeste, mas não uma cópia, pois tem
um olhar muito nosso. Temos
apenas uma referência ao western
norte-americano, que era muito
violento. É a novela mais difícil
que já fiz", diz Ricardo Waddington, 44, diretor de núcleo.
A Globo muda o estilo de fazer
novela no horário num momento
em que a concorrência avança,
mas aposta e está ciente dos riscos. "Eu chamo esta novela de
abusada. Para mim não existe
moderno ou antigo. Novela é uma
linguagem por si mesma. Como
conteúdo e narrativa, ela traz um
abuso. Nos pediu um elenco, uma
trilha, uma cenografia, um figurino, um tratamento estético, tudo
abusado. Acho qualquer novela
arriscada hoje em dia", diz.
Também é a estréia de Fernanda Lima numa novela, e como
protagonista. "Ou gostam da novela ou não. Ela não vai fazer conchavo com o público. Ou compra,
ou não compra. Aposto que compre... A Fernanda Lima fez testes e
foi aprovada, está se dando muito
bem. Eu estou acostumado a lançar gente na televisão, e tem dado
certo. Gosto da novidade na escalação porque dá mais credibilidade ao personagem, frescor, oxigênio e uma temperatura que outra
atriz, que traria a lembrança de
outro personagem, não teria."
Referência
O projeto é antigo e tem 16 anos,
segundo Prata. A referência ao faroeste é uma homenagem à infância do autor. "Eu ia fazer essa novela na Manchete, mas deu no que
deu... [A falência da emissora foi
decretada em 2000] Foi cansativo
chegar até aqui porque eu convenci a Globo aos poucos. Caí na
mão de dois diretores maravilhosos, que entenderam o que eu
queria desde o momento em que
leram o primeiro capítulo. Não
adiantaria fazer se fosse com nomes brasileiros e gravada no Maranhão, por exemplo."
Albuquerque, a fictícia cidade
onde se passa a história, é uma referência direta ao seu mais famoso trabalho na Globo -"Estúpido Cupido" (1976). "Conheci a cidade cenográfica no início da semana passada. Fiquei olhando e,
num canto, sozinho, comecei a
chorar. A Rede Globo virou uma
indústria", analisa.
O deserto onde se passa a novela
(e onde a equipe gravou as primeiras cenas e outras que serão
usadas ao longo da atração) é em
San Pedro de Atacama, no Chile.
A produção se preocupou em
adaptar figurino e cenário, por
exemplo, ao clima do deserto. "É
uma cidade cenográfica [que fica
na Central Globo de Produção, o
Projac, na zona oeste do Rio] que
precisa ter poeira. A roupa das
pessoas tem poeira. Isso será visível na tela", diz Waddington.
Cuidados
O desenho animado entra na
novela para amenizar a violência,
garante Waddintgon, para quem
o horário seria impróprio para seguir a cartilha dos animes japoneses ou até mesmo do western
americano. "Pegamos o conteúdo
pesado e colocamos numa linguagem lúdica. Entra no recurso que
o Quentin Tarantino usou em
"Kill Bill", por exemplo, de uma situação muito violenta: põe o conteúdo adulto no desenho, que é de
imagem lúdica."
Em Albuquerque, é proibido
andar armado. Coincidência ou
não, em outubro será votado o referendo sobre a comercialização
de armas no Brasil. A novela terá
duelos, mas traduzidos em cenas
de ação. "Não haverá sangue na
novela. O espectador não verá a
pessoa morrendo. Tentamos contar essa história de faroeste de
uma maneira mais lúdica e bem
menos violenta do que o cinema
americano e do que os desenhos
japoneses. Tudo isso sem tirar o
drama e a aventura, que são os ingredientes da dramaturgia", afirma o diretor de núcleo.
O anime de estréia foi realizado
por seis profissionais da equipe de
efeitos visuais da novela, comandada por Gustavo Garnier, 49.
Demorou dois meses para ser
concluído. "Seria bom se tivéssemos um no início, um no meio e
outro no final", diz o animador.
Além da seqüência em animação 2D, haverá intervenções virtuais em cerca de 30% da novela.
O deserto é uma das reconstruções necessárias por meio do
computador. "Uma das nossas
funções é complementar", diz
Garnier. "Usaremos computação
gráfica direto. Vamos colocar Albuquerque no meio do deserto.
Temos um grande cromaqui [tela
azul que, ao fundo, permite a inclusão de imagens no computador] em volta da cidade cenográfica", reafirma Waddington.
Há seqüências inteiras, como a
do capítulo 3, por exemplo, virtuais. "Os sonhos do personagem
Jeff Wall Street (Guilherme Fontes) serão todos em computação
gráfica", conta Garnier.
Uma outra América
Apesar de estar ficcionalmente
situada nos EUA, "Bang Bang" será muito brasileira, segundo Prata. Linguagens à parte, a comparação a "Que Rei Sou Eu?" (1989),
de Cassiano Gabus Mendes, é inevitável. "Ela tinha uma estrutura
de personagens de narrativa política. Aqui, não. Temos um xerife
que baixará umas medidas provisórias absurdas, mas a novela não
é focada nisso, não pretende discutir nenhum assunto. Vamos
brincar com o cotidiano."
"É uma grande sátira, não é
uma farsa. Toda a referência da
novela é no real, no sentido de fazer o público acreditar que aquilo
até poderia acontecer. Não é uma
fábula. O Prata se apropria de situações atuais e joga para aquele
momento", diz Waddington.
A novela, segundo o diretor,
não será datada. "Não teremos
uma citação ao episódio chamado
"mensalão", mas, sim, histórias
que envolvam corrupção." "Bang
Bang" começa com a lembrança
de uma chacina ocorrida 20 anos
atrás, quando o protagonista Ben
Silver (Bruno Garcia) fica órfão.
De volta à cidade, busca vingança.
A direção geral é de José Luís Villamarin. Ao lado de Prata, colaboram no roteiro Ana Ferreira,
Chico Mattoso, Filipe Miguez,
Márcia Prates e Reinaldo Moraes.
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|