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Estúdio japonês ganha retrospectiva
DO CRÍTICO DA FOLHA
O Japão é um país de imensa
cultura cinematográfica. Lá se paga caro para ir ao cinema (o preço
médio do ingresso é de cerca de
US$ 10, ou seja, quase R$ 30!),
mas, ainda assim, 170 milhões de
ingressos são vendidos por ano.
Hoje, os filmes japoneses não
têm o mesmo peso que tiveram
no passado, mas a produção
anual -principalmente os filmes
de terror e de animação, gêneros
populares que ganham reconhecimento mundial- é suficiente
para garantir uma participação
robusta do cinema nacional no
mercado, em torno de 35%.
Essa cultura vem de uma tradição sólida, sustentada por uma
indústria longeva. Um de seus pilares está no estúdio da Shochiku,
cujos 110 anos de existência estão
sendo festejados com uma retrospectiva especial do Festival do
Rio. A seleção é pequena perto de
sua imensa produção histórica,
mas é bastante representativa em
termos de qualidade e, principalmente, em raridades.
A Shochiku foi fundada em 1895
e, no começo dos anos 30, se estabeleceu como a grande produtora
de um gênero específico e bastante popular no país, conhecido como shomin-geki. Quatro cineastas são considerados os artífices
desse gênero: Heinosuke Gosho,
Yasujiro Shimazu, Hiroshi Shimizu e Yasujiro Ozu, cuja obra é festejada no mundo como um dos
grandes legados do Japão.
A retrospectiva apresenta quatro títulos fundamentais de Ozu,
que teve todos os seus longas produzidos no seio da Shochiku: "Ele
É um Pai" (1942), "O Gosto do
Chá Verde no Arroz" (1952), "Era
uma Vez em Tóquio" (1953) e
"Flor do Equinócio" (1958), todos
exemplos excepcionais de seu célebre estilo, marcado pela câmera
sempre baixa e pela atuação contida dos atores, vivendo pequenos
e comoventes dramas familiares.
"Ele É um Pai", o mais raro entre eles, é também o mais dramático ao narrar a história de um
professor que é responsabilizado
pela morte de um de seus alunos e
se muda para Tóquio, sendo obrigado a abandonar o filho.
Mas talvez a curiosidade maior
da mostra recaia sobre os três filmes de Keisuke Kinoshita, cineasta cuja obra circula muito menos.
Dele serão apresentados "O Amor
Inocente de Carmen" (1952), "24
Olhos" (1954) e "O Perfume do
Incenso" (1964), três filmes em
que as mulheres são centrais.
No primeiro, ele fala sobre o relacionamento entre uma ex-dançarina de cabaré e um artista plástico. No segundo, uma professora
vai lecionar em uma ilha remota,
onde ela é inicialmente rejeitada
pelos alunos, até conquistá-los
com a mais absoluta dedicação.
No terceiro, uma jovem vendida
para casa de gueixas reúne-se
com a família uma última vez.
Nos anos 60, quando "novas
ondas" cinematográficas espalharam-se pelo mundo, a Shochiku
financiou os filmes de dois cineastas importantíssimos da "new wave" japonesa: Nagisa Oshima e
Yoji Yamada.
De Oshima, serão exibidos dois
títulos bastante raros, anteriores
ao escandaloso "O Império dos
Sentidos": "Um Trato em Canção
Japonesa Pornô" (1967) e "Três
Bêbados Ressuscitados" (1968). O
primeiro, em particular, chama a
atenção por tocar no tema da ambigüidade sexual, que o cineasta
retomaria em "Furyo" e, mais recentemente, em "Tabu". Ele fala
de um rapaz que se sente atraído,
ao mesmo tempo, por uma mulher e por um jovem.
Como Ozu, Yamada também
desenvolveu praticamente toda a
sua carreira dentro da Shochiku.
Ele foi responsável pela revitalização comercial do estúdio com a
criação de um personagem chamado Tora-San (vivido pelo ator
Kiyoshi Atsumi), que acabou rendendo mais de 48 filmes de sucesso em 25 anos. De Yamada, a
mostra traz "Uma Classe Especial" (1993), mas na seção Panorama poderão ser vistos os dois longas mais recentes do diretor, "Samurai do Entardecer" (2002) e "A
Espada Oculta" (2004), épicos
crepusculares em torno da decadência da cultura samurai.
(PEDRO BUTCHER)
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