São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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Estúdio japonês ganha retrospectiva

DO CRÍTICO DA FOLHA

O Japão é um país de imensa cultura cinematográfica. Lá se paga caro para ir ao cinema (o preço médio do ingresso é de cerca de US$ 10, ou seja, quase R$ 30!), mas, ainda assim, 170 milhões de ingressos são vendidos por ano.
Hoje, os filmes japoneses não têm o mesmo peso que tiveram no passado, mas a produção anual -principalmente os filmes de terror e de animação, gêneros populares que ganham reconhecimento mundial- é suficiente para garantir uma participação robusta do cinema nacional no mercado, em torno de 35%.
Essa cultura vem de uma tradição sólida, sustentada por uma indústria longeva. Um de seus pilares está no estúdio da Shochiku, cujos 110 anos de existência estão sendo festejados com uma retrospectiva especial do Festival do Rio. A seleção é pequena perto de sua imensa produção histórica, mas é bastante representativa em termos de qualidade e, principalmente, em raridades.
A Shochiku foi fundada em 1895 e, no começo dos anos 30, se estabeleceu como a grande produtora de um gênero específico e bastante popular no país, conhecido como shomin-geki. Quatro cineastas são considerados os artífices desse gênero: Heinosuke Gosho, Yasujiro Shimazu, Hiroshi Shimizu e Yasujiro Ozu, cuja obra é festejada no mundo como um dos grandes legados do Japão.
A retrospectiva apresenta quatro títulos fundamentais de Ozu, que teve todos os seus longas produzidos no seio da Shochiku: "Ele É um Pai" (1942), "O Gosto do Chá Verde no Arroz" (1952), "Era uma Vez em Tóquio" (1953) e "Flor do Equinócio" (1958), todos exemplos excepcionais de seu célebre estilo, marcado pela câmera sempre baixa e pela atuação contida dos atores, vivendo pequenos e comoventes dramas familiares.
"Ele É um Pai", o mais raro entre eles, é também o mais dramático ao narrar a história de um professor que é responsabilizado pela morte de um de seus alunos e se muda para Tóquio, sendo obrigado a abandonar o filho.
Mas talvez a curiosidade maior da mostra recaia sobre os três filmes de Keisuke Kinoshita, cineasta cuja obra circula muito menos. Dele serão apresentados "O Amor Inocente de Carmen" (1952), "24 Olhos" (1954) e "O Perfume do Incenso" (1964), três filmes em que as mulheres são centrais.
No primeiro, ele fala sobre o relacionamento entre uma ex-dançarina de cabaré e um artista plástico. No segundo, uma professora vai lecionar em uma ilha remota, onde ela é inicialmente rejeitada pelos alunos, até conquistá-los com a mais absoluta dedicação. No terceiro, uma jovem vendida para casa de gueixas reúne-se com a família uma última vez.
Nos anos 60, quando "novas ondas" cinematográficas espalharam-se pelo mundo, a Shochiku financiou os filmes de dois cineastas importantíssimos da "new wave" japonesa: Nagisa Oshima e Yoji Yamada.
De Oshima, serão exibidos dois títulos bastante raros, anteriores ao escandaloso "O Império dos Sentidos": "Um Trato em Canção Japonesa Pornô" (1967) e "Três Bêbados Ressuscitados" (1968). O primeiro, em particular, chama a atenção por tocar no tema da ambigüidade sexual, que o cineasta retomaria em "Furyo" e, mais recentemente, em "Tabu". Ele fala de um rapaz que se sente atraído, ao mesmo tempo, por uma mulher e por um jovem.
Como Ozu, Yamada também desenvolveu praticamente toda a sua carreira dentro da Shochiku. Ele foi responsável pela revitalização comercial do estúdio com a criação de um personagem chamado Tora-San (vivido pelo ator Kiyoshi Atsumi), que acabou rendendo mais de 48 filmes de sucesso em 25 anos. De Yamada, a mostra traz "Uma Classe Especial" (1993), mas na seção Panorama poderão ser vistos os dois longas mais recentes do diretor, "Samurai do Entardecer" (2002) e "A Espada Oculta" (2004), épicos crepusculares em torno da decadência da cultura samurai.
(PEDRO BUTCHER)


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