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TELEVISÃO
Em nova temporada, série tenta não repetir fracassos do passado
"Lost" busca o equilíbrio entre mitos e suspense
LORNE MANLY
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES
Em "Lost" (série exibida no Brasil pelo canal pago AXN), um grupo de sobreviventes de um acidente aéreo enfrenta uma ilha no
Pacífico repleta de mistérios.
Um monstro devorou um piloto. Um urso polar fez estragos no
meio da selva. Um paraplégico
enigmático voltou a andar. A primeira temporada terminou com
duas situações de suspense. Mas o
maior quebra-cabeças que os
produtores enfrentam no início
da segunda temporada, na semana passada nos EUA, deve ser o de
como evitar o repúdio do público,
que fez do programa um dos dramas de maior sucesso da rede
ABC em mais de dez anos -no
Brasil, a nova temporada só chegará no ano que vem.
Os criadores de séries como
"Lost", imbuídas de mitologias
próprias, enfrentam um dilema
-os espectadores anseiam por
respostas, mas, se os criadores revelarem demais, existe o risco de
o público os abandonar, como
aconteceu com "Twin Peaks" no
início dos anos 90. Outro risco é o
de ir soltando dicas muito pequenas sobre como as peças se encaixam, e a obsessão dos espectadores pode virar frustração, como
aconteceu em "Arquivo X".
"Lost" não é um drama típico
da TV, nem em sua gênese nem
em seu elenco ou seu pendor pela
ambigüidade. A idéia surgiu em
2003, do então presidente da
ABC, Lloyd Braun. Sentado em
seu hotel em uma ilha no Havaí,
Braun olhava para a praia e pensava em como traduzir o filme
"Náufrago", com Tom Hanks, para o formato de seriado. Braun
aplicou fórmulas de Hollywood e
teve a idéia de um híbrido do filme e o "reality show" "Survivor".
Os primeiros esboços de roteiro
não o agradaram, então Braun
procurou J.J. Abrams, criador de
"Alias", e lhe ofereceu como parceiro o roteirista Damon Lindelof.
A aposta era imensa. "Não havia
nada que não me preocupasse",
diz Braun: desde o custo (mais de
US$ 10 milhões -cerca de R$
22,7 mi- para o episódio piloto,
de duas horas) até seu clima sombrio, passando pelo elenco.
Além disso, todos se lembravam do que acontecera com
"Twin Peaks": quando o seriado
estreou, em 1990, o país inteiro se
envolveu no mistério de quem tinha assassinado Laura Palmer.
Mesmo assim, pouco mais de um
ano depois o seriado tinha desaparecido do mapa. "O truque é
que você precisa manter todas as
bolas no ar ao mesmo tempo, resolvendo algumas histórias ao
mesmo tempo em que resolve outras", comentou Frost. "Twin
Peaks" era um seriado em que a
mitologia pesava mais do que todo o resto", diz o produtor Carlton Cuse. O temor de se deixar envolver demais nas complexidades
da mitologia do programa impede Cuse de passear pelos sites
montados por fãs, como é o caso
de Lost-TV (www.lost-tv.com).
Lindelof acrescentou: "O importante são os personagens. Tudo
precisa estar a serviço deles. Eles
são o ingrediente secreto".
Numa manhã deste mês, na Califórnia, Lindelof, 32, e Cuse, 46,
visitaram seus colegas roteiristas.
Javier Grillo-Marxuach, que faz as
vezes de produtor supervisor, pôs
os dois a par dos avanços feitos no
primeiro esboço do oitavo episódio, cujo tema é o perdão. Num
quadro branco, os roteiristas
apresentam esboços e mapeiam
as cinco partes que compõem cada episódio. Mas eles tentam decidir qual personagem terá direito
a um dos marcos da série: o flashback detalhado sobre sua vida anterior à chegada à ilha.
Na discussão, não faltam referências à cultura popular. Para
tentar conduzir a técnica e o caminho da narrativa, Lindelof usa
referências a filmes tão diversos
quanto "Pulp Fiction", "A Morte
e a Donzela" e "Um Dia de Cão".
Enquanto isso, Cuse sugere que
eles mantenham em mente o conceito bíblico de perdão: "Isso terá
grande ressonância". Ele e Lindelof incentivam os roteiristas a
simplificar. Decidam o que está
acontecendo na ilha, e o foco do
flashback ficará claro, dizem. Ambos acreditam na necessidade de
um plano de longo prazo para a
série, mas eles gostam de desviar-se dos roteiros convencionais.
Os roteiristas tinham previsto,
por exemplo, intensificar a hostilidade entre os personagens Michael Dawson (Harold Perrineau)
e Jin-Soo Kwon (Daniel Dae
Kim), enquanto se desenvolveria
o romance entre Michael e a mulher de Jin, Sun (Yunjin Kim).
Mas, quando criaram a história
passada do casal, na Coréia, investiram na relação do casal.
"Quando vemos coisas que gostamos, mudamos a história para incluí-las. Somos espectadores com
controle sobre a história."
Uma maneira pela qual eles
exercem esse controle é seguir o
modelo de fatos científicos que
detectam nos livros de Michael
Crichton. "Podem acontecer coisas fenomenais, mas sempre há
explicação científica", diz Lindelof. Assim, quando o cirurgião
Jack Shephard (Matthew Fox)
tem visões de seu pai morto, a
produção informa ao público que
ele está há três dias sem dormir. O
fato é que o fantasma o conduz até
a água que eles tanto precisam,
então talvez não seja alucinação.
Os dois homens admiram Stephen King. ""A Dança da Morte"
foi um livro que deu subsídios a
"Lost'", comentou Lindelof. "Tematicamente falando, os dois são
a mesma coisa, ou seja, a filosofia
fundamental de "viver juntos,
morrer sozinho"."
O maior desafio para a equipe
pode vir do próprio sucesso de
"Lost". Diferentemente de J.K.
Rowling, que tem o consolo de saber que a série "Harry Potter" vai
chegar ao fim no sétimo livro, os
produtores de "Lost" não têm esse luxo. Enquanto a audiência
continuar boa, a série permanece
no ar. As implicações para a narrativa são imensas. "Se soubéssemos que a série teria 88 episódios,
poderíamos mapear onde cairiam todas as peças da mitologia e
poderíamos ir construindo a história até seu final. Mas não sabemos e não podemos saber. Este
seriado é um empreendimento financeiro de grande sucesso para a
ABC, e o objetivo dela é levar o seriado adiante pelo maior prazo
possível", diz Cuse.
"Quanto mais tempo você mantém acesso o interesse das pessoas, mais elas se apegam à mitologia da série e mais decepcionadas elas ficarão quando ela terminar, não importa de que maneira", diz Spotnitz. A resolução das
situações emocionais entre os
personagens é mais importante
do que colocar a última peça de
um quebra-cabeças complicado,
e Spotnitz está preparando seu
novo seriado na ABC, "Night Stalker", com isso em mente.
Lindelof e Cuse ambos endossam a teoria de que o importante
na série é a viagem, não o destino.
Os criadores de "Lost" sabem,
sim, como a série vai terminar. Os
sobreviventes não vão descobrir
que fazem parte de uma experiência maligna, nem descobrir que
estão no purgatório, nem tampouco despertar de um pesadelo.
"Eles vão sair da ilha", disse Cuse.
Então ele e Lindelof acrescentaram, quase em uníssono: "Se for
uma ilha, é claro".
Tradução de Clara Allain
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