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CRÍTICA
Emmy premia séries mais "cinematográficas"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
A cerimônia do Emmy reproduz, ponto por ponto, a
da entrega do Oscar -modelões, piadas, discursos de agradecimento etc. As semelhanças entre as premiações da indústria da
TV e do cinema, entretanto, não
param por aí. Por artes da chamada convergência das mídias,
aquilo que se premia na TV se
aproxima cada vez mais do cinema. E, continuando ainda um
tantinho, o cinemão é cada vez
mais parecido com a TV.
A fatia mais rica e de produção
mais esmerada da programação
de TV norte-americana -as séries, exibidas em horário nobre- vem rapinando do cinema
o ritmo mais acelerado, os efeitos
mais espetaculosos, as câmeras
mais espertas, mas, sobretudo,
uma certa ousadia nos temas e na
forma de apresentar a narrativa.
De alguns anos para cá, algumas
séries tornaram-se mais adultas,
mais complicadas e, de certa forma, até melhores do que a média
da produção hollywoodiana.
Os maiores destaques do
Emmy deste ano, "Lost" e "Desperate Housewives", estão nessa
categoria. "Lost", que ganhou o
prêmio de melhor drama, emprestou do suspense de filmes
tão variados como "Alien" e "A
Bruxa de Blair" a atmosfera misteriosa e aterrorizante. Além disso, como o formato seriado permite reviravoltas mais surpreendentes do que aquelas que podem acontecer nas duas horas de
um filme no cinema, o desenvolvimento das várias tramas e subtramas de "Lost", na verdade,
aproxima-se também da literatura de horror -impossível não
pensar nas civilizações perdidas
e assustadoras dos contos de H.P.
Lovecraft.
No reino da comédia, a aposta
é no humor negro. "Desperate
Housewives" acabou perdendo o
prêmio de melhor série cômica
para a convencional "Everybody
Loves Raymond", série de enorme sucesso nos EUA (e resposta
tímida aqui) já encerrada, mas
sua presença maciça nas indicações e a concessão do prêmio de
melhor atriz para Felicity Huffman confirmam os acertos do seriado. A vida suburbana de pernas para o ar de Whisteria Lane e
suas donas-de-casa destrambelhadas, numa atmosfera que
lembra "Beleza Roubada" em cenário inspirado no Tim Burton
de "Edward Mãos-de-Tesoura" e
quase tangencia a esquisitice de
"Twin Peaks", está em território
antípoda à celebração familiar da
maioria das séries.
Até mesmo a versão cínica de
"ER" teve seu quinhão de glória,
reforçando a tendência da indústria de estimular as séries menos
"fáceis": "House" levou um só
prêmio, mas foi justamente o de
roteiro para série dramática. O
seriado, que tem como protagonista um médico avesso ao contato humano, com hobbies estranhos e emocionalmente retardado, subverte a idéia tradicional (e
muito cara à TV) do heroísmo da
medicina. Enquanto isso, o cinema americano se infantiliza, reduzindo tudo ao denominador
comum do sentimentalismo familiar e da histeria da ação.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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