São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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CRÍTICA

Emmy premia séries mais "cinematográficas"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

A cerimônia do Emmy reproduz, ponto por ponto, a da entrega do Oscar -modelões, piadas, discursos de agradecimento etc. As semelhanças entre as premiações da indústria da TV e do cinema, entretanto, não param por aí. Por artes da chamada convergência das mídias, aquilo que se premia na TV se aproxima cada vez mais do cinema. E, continuando ainda um tantinho, o cinemão é cada vez mais parecido com a TV.
A fatia mais rica e de produção mais esmerada da programação de TV norte-americana -as séries, exibidas em horário nobre- vem rapinando do cinema o ritmo mais acelerado, os efeitos mais espetaculosos, as câmeras mais espertas, mas, sobretudo, uma certa ousadia nos temas e na forma de apresentar a narrativa. De alguns anos para cá, algumas séries tornaram-se mais adultas, mais complicadas e, de certa forma, até melhores do que a média da produção hollywoodiana.
Os maiores destaques do Emmy deste ano, "Lost" e "Desperate Housewives", estão nessa categoria. "Lost", que ganhou o prêmio de melhor drama, emprestou do suspense de filmes tão variados como "Alien" e "A Bruxa de Blair" a atmosfera misteriosa e aterrorizante. Além disso, como o formato seriado permite reviravoltas mais surpreendentes do que aquelas que podem acontecer nas duas horas de um filme no cinema, o desenvolvimento das várias tramas e subtramas de "Lost", na verdade, aproxima-se também da literatura de horror -impossível não pensar nas civilizações perdidas e assustadoras dos contos de H.P. Lovecraft.
No reino da comédia, a aposta é no humor negro. "Desperate Housewives" acabou perdendo o prêmio de melhor série cômica para a convencional "Everybody Loves Raymond", série de enorme sucesso nos EUA (e resposta tímida aqui) já encerrada, mas sua presença maciça nas indicações e a concessão do prêmio de melhor atriz para Felicity Huffman confirmam os acertos do seriado. A vida suburbana de pernas para o ar de Whisteria Lane e suas donas-de-casa destrambelhadas, numa atmosfera que lembra "Beleza Roubada" em cenário inspirado no Tim Burton de "Edward Mãos-de-Tesoura" e quase tangencia a esquisitice de "Twin Peaks", está em território antípoda à celebração familiar da maioria das séries.
Até mesmo a versão cínica de "ER" teve seu quinhão de glória, reforçando a tendência da indústria de estimular as séries menos "fáceis": "House" levou um só prêmio, mas foi justamente o de roteiro para série dramática. O seriado, que tem como protagonista um médico avesso ao contato humano, com hobbies estranhos e emocionalmente retardado, subverte a idéia tradicional (e muito cara à TV) do heroísmo da medicina. Enquanto isso, o cinema americano se infantiliza, reduzindo tudo ao denominador comum do sentimentalismo familiar e da histeria da ação.

@ - biabramo.tv@uol.com.br


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