São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

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Barreto filma com "pedra no sapato"

Diretor diz que "é um problema" ter longa associado ao perfil de "favela movie" e diz ter feito o oposto de "Cidade de Deus'

Crítica americana apontou "visão demasiadamente familiar da pobreza e da violência'; cineasta considera essa interpretação míope


DA REPORTAGEM LOCAL

"Última Parada 174" é um filme de ficção de Bruno Barreto inspirado pelo documentário "Ônibus 174" (2002), de José Padilha, que em seguida dirigiu "Tropa de Elite" (2007). A partir do documentário de Padilha sobre Sandro Nascimento, o garoto de rua que seqüestrou o coletivo 174, no Rio de Janeiro, em 2000, e morreu nas mãos da polícia, no desfecho do episódio, Barreto viu a possibilidade de filmar "um Charles Dickens nas ruas do Rio", conforme ele diz. O diretor planejou, portanto, rodar um drama clássico sobre orfandade, vínculo afetivo e construção de identidade sob violência, depois de dirigir a comédia romântica "O Casamento de Romeu e Julieta" e a comédia moral "Caixa Doi$", ambos filmados em São Paulo.

"Pedra no sapato"
Como a geografia do Rio divide-se entre "o asfalto" e "o morro" e a cidade é palco da infindável "guerra do tráfico" retratada em diversos filmes desde "Cidade de Deus" (2002), Barreto admite ter no pano de fundo da saga de seu protagonista "um problema, uma pedra no sapato", que é a hipótese de o título ser visto como mais um "favela movie", perfil ao qual o público brasileiro começa a dar as costas. A associação foi feita por parte da crítica norte-americana, após as exibições de "Última Parada 174" no Festival de Toronto, neste mês. A revista "Hollywood Reporter", por exemplo, classificou o filme como "uma visão demasiadamente familiar da pobreza e da violência nas favelas do Rio". Barreto diz ter ouvido de um executivo da distribuidora Sony Classics a dúvida: "Será que os críticos vão conseguir ver que não é um outro "Cidade de Deus", que é exatamente o caminho inverso?". O cineasta acha "compreensível" que críticos estrangeiros façam essa aproximação, mas afirma: "Se algum crítico aqui vir dessa forma, está míope". O diretor julga que seu filme é "exatamente o oposto" de "Cidade de Deus", cujo roteirista, Bráulio Mantovani, ele convidou para escrever "174 - Última Parada". "Adoro "Cidade de Deus". Acho um marco no cinema mundial. Agora, é um grande afresco, não se propõe a dissecar os sentimentos. É um épico. Meu filme é exatamente o oposto. É um épico do coração, intimista", afirma. Da mesma forma que em "Cidade Deus", parte do elenco de "Última Parada 174", é formada por atores não-profissionais selecionados em bairros pobres. Para Barreto, dirigir não-profissionais significou um "desafio existencial" de aprender a "abrir mão da necessidade de controle", já que o improviso é incorporado como método nesse tipo de trabalho. A preparação do elenco começou a ser feita por Fátima Toledo ("Cidade de Deus"), mas Barreto decidiu interromper o trabalho com ela e retomá-lo com os irmãos Ricardo Blat e Rogério Blat. "Não dei certo com a Fátima, porque o método dela é o mesmo para todos os filmes. Não a estou criticando, apenas constatando. O maior prazer que tenho ao filmar é dirigir o ator. Ele tinha que vir preparado, mas não pronto. Com a Fátima, ele vem quase pronto. O diretor pode intervir muito pouco", afirma o cineasta. Com orçamento de R$ 8 milhões, "Última Parada 174" é o primeiro filme em que Barreto atuou também como produtor. A Filmes do Equador, de seus pais, Lucy e Luiz Carlos Barreto, não se animou com o projeto na origem, o que não diminuiu sua confiança. "Fiz esse filme sem medo de errar", diz. Barreto considerou o périplo em busca de patrocínio como "um bom batismo". "Eu estava mal acostumado, mimado, porque nunca tive que fazer isso." (SILVANA ARANTES)

ÚLTIMA PARADA 174

Produção: Brasil, 2008
Direção: Bruno Barreto
Com: Michel Gomes, Cris Vianna, Marcelo Mello Jr., Gabriela Luiz
Onde: Cine Odeon, na abertura, para convidados, do Festival do Rio



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