São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2010

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Betancourt lança crônica do cativeiro

Obra relata o período que a ex-senadora colombiana passou como refém das Farc na selva colombiana

Sequestrada em 2002, a então candidata à Presidência da Colômbia hoje não quer voltar ao seu país

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

No dia 22 de fevereiro de 2002, a então candidata à Presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, estava no meio de uma entrevista à Folha, por telefone, quando foi interrompida por assessores de campanha.
Teve de cortar o papo, cujo tema era seu livro "Coração Enfurecido" (Objetiva), que acabava de ser lançado no Brasil. E pediu: "Você pode me ligar na segunda, e aí completamos a matéria?".
As coisas, como se sabe, não saíram como o planejado e Betancourt não pôde voltar a falar comigo na data que marcamos. E nem por muito tempo...
No dia seguinte, foi sequestrada perto de San Vicente del Caguán pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Ficou em poder da guerrilha, na selva, até julho de 2008.
"Sua entrevista ficou marcada na minha agenda com tantas outras coisas que tinha de fazer. Não larguei esse caderno. Saber que tinha planos inconclusos me estimulava a continuar", disse, em nova entrevista, na última terça-feira, por telefone.
O assunto, desta vez, era seu livro mais recente, "Não Há Silêncio que Não Termine" -título que poderia também ilustrar esse curioso e um tanto trágico episódio.
Lançado ao mesmo tempo em sete idiomas, a obra relata o drama do cativeiro, as tentativas de fuga e as relações entre ela e outros prisioneiros e guerrilheiros. Trata-se de um relato pessoal, em que sentimentos predominam e a política está no subtexto da narrativa.
"Há uma tomada de posição, sim. Tento expor o tempo todo o contraste entre o que eu acreditava que eram as Farc e o que eu descobri que elas realmente são", diz.
Para Betancourt, 48, a guerrilha opera numa estrutura "stalinista" de delação e desconfiança. Conta que, logo que libertada, assistiu ao filme alemão "A Vida dos Outros" [sobre espião que investiga a vida de casal de artistas] e que imediatamente identificou os paralelos com o comportamento das Farc.
"Há um prazer em observar os outros para reportar, para entregar. Entendo que vigiassem os prisioneiros com atenção, mas que se vigiassem a si próprios, para que não desertassem, para que não ficassem próximos demais dos prisioneiros, me assustou muito."
Hoje dividindo seu tempo entre as casas dos filhos, Mélanie, 25, em Nova York, e Lorenzo, 22, em Paris, Betancourt diz que a política não é mais prioridade. Tanto que não faz críticas ao atual governo -de Juan Manuel Santos, sucessor de Álvaro Uribe, contra quem competia em 2002. "O Exército faz hoje o melhor trabalho possível para conter as Farc".
Para ela, porém, a questão do narcotráfico já não é um problema apenas político ou militar, mas cultural.
"O povo colombiano acostumou-se com o sangue derramado, a morte e a violência. Hoje tem o coração endurecido e, com essa indiferença, não se pode exterminar o problema. É preciso que haja uma mudança de coração naquele país." Para o qual, pelo menos por ora, ela não pensa em voltar.


NÃO HÁ SILÊNCIO QUE NÃO TERMINE

AUTOR Ingrid Betancourt
TRADUÇÃO Antonio Carlos Viana, Dorothée de Bruchard, José Rubens Siqueira e Rosa Freire D'Aguiar
LANÇAMENTO Companhia das Letras
PREÇO R$ 45 (553 págs.)



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