Realizado por moradores do morro carioca, longa tem graça e grandeza do artista que fala daquilo que sabe

"5 X FAVELA" MOSTRA COM INOCÊNCIA QUE QUASE TODOS OS FILMES ANTERIORES ESTAVAM LONGE DA REALIDADE

DOMINGOS OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No Brasil atual, nenhum fato cultural repercute mais. Assim como nenhum escândalo no crime. Não me avisaram que "5 x Favela - Agora por Nós Mesmos" era tão bom. Não entendo. É humana e filosoficamente ótimo.
O filme é dedicado a um amigo que morreu [Leon Hirszman (1937-1987)], concebido e produzido por um líder do cinema novo. Cacá Diegues sempre foi, de nós, quem olhou melhor o Brasil.
"5 x Favela" envolve centenas de diretores, técnicos, estudantes de baixa renda, moradores de favelas representativas do conjunto carioca. Foi dada a eles a voz. E eles a usaram com uma simples eloquência.
Cinco episódios do filme descrevem situações comuns no cinema engajado -a difícil sobrevivência na selva das favelas. Porém, desta vez, o olhar é diferente. O enfoque inaudito surpreende a cada instante. Tem a graça e a grandeza do artista que fala daquilo que sabe -da sua vida; sua querida, pobre, rica, miserável, magnífica vida.
Ver o filme faz com que compreendamos melhor nossos irmãos excluídos do asfalto. Tão diferentes, tão iguais. Durante muito tempo, os cineastas da rica classe média tentaram, por responsabilidade ou culpa, falar das misérias da gente do morro.
"5 x Favela" mostra com inocência engraçada que quase todos os filmes anteriores estavam longe da realidade. "5 x Favela" é a prova inequívoca dessa realidade.

NEORREALISMO
Os finais felizes dos dois primeiros episódios não soam falsos. Havia saídas. Nós, espectadores do asfalto, é que não víamos.
Até ali, achamos que estamos assistindo a um filme barra leve, quando vem o terceiro episódio.
Um impacto de emoção. Uma lição do terrível. Uma escolha de Sofia resolvida de modo estoico. As lágrimas me vieram aos olhos. A qualidade do espetáculo me fez pensar que o Brasil estava recriando naquele momento o neorrealismo.
Os episódios se parecem muito com os primeiros filmes de Rossellini e De Sica. Aquele ninho convulsivo de talentos que gerou Fellini e o maior cinema que o mundo jamais teve.
Sendo um filme sensível e basicamente autoral, ele faz retornar a importância básica do cinema autoral. Não tenho vontade de aplaudir. E, sim, de abraçar um por um. Fraternalmente. E desejar-lhes seu glorioso futuro.