|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/CRÍTICA
Kevin Smith revela face conservadora em "Menina dos Olhos"
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
É consenso dizer que a vida
de um homem divide-se basicamente entre antes e depois da
paternidade -para quem decide
ter filhos, claro. O que ninguém
chega a um acordo é se um rebento garante a maturidade de sujeitos que até ontem não sabiam lavar as próprias cuecas.
Também não sabemos se Kevin
Smith, de "Menina dos Olhos",
freqüenta lavanderias, mas é certo
que ele tinha o hábito de atolar
seus filmes com as mais variadas
referências adquiridas na adolescência, de HQs a piadas sujas de
fundo de sala de aula.
Ele também casou e teve filho. E
parece um tanto perdido na busca
pela maturidade, a julgar por
"Menina", uma tentativa de refletir essa nova fase do diretor.
O filme conta a história de Ollie
(Ben Affleck), poderoso relações-públicas de uma grande gravadora, homem deslumbrado com o
poder e ternos bem cortados. Sua
vida muda quando se casa com
Gertrude (Jennifer Lopez) e fica
sabendo que será pai em breve;
sua vida desmorona quando ela
morre no parto, obrigado-o a cuidar sozinho de sua filha.
Mas as coisas vão piorar ainda
mais. Em um acesso de raiva, irá
ridicularizar um cliente, Will
Smith, em plena coletiva de imprensa, o que irá encerrar sua vida
de carros luxuosos e badalações.
A saída será abandonar Manhattan e voltar à casa do pai, outro
viúvo, em uma pacata Nova Jersey, onde tentará criar sua filha.
Instala-se o conflito central: enquanto Affleck passa sete anos
numa espécie de ostracismo na cidadezinha e sonha em voltar à ativa, sua filha vai crescendo, apegada aos valores locais.
A partir daí, Smith esgota inúmeros clichês de comédias dramáticas sobre o tema -sim, há a
inevitável seqüência final em que
Affleck luta para chegar a tempo
para assistir a uma apresentação
musical de sua filha na escola.
Retirando as situações esquemáticas, não resta muita coisa, o
que diz muita coisa a respeito do
diretor. Alçado à condição de gênio do cinema independente muito cedo, com seu "O Balconista"
(1994), Smith retirava sua força
em diálogos ágeis, inundados de
citações ao mundo pop. Ao contrário de Quentin Tarantino, que
cerca-se de todos os clichês possíveis e consegue revertê-los em
uma linguagem própria, Smith
apenas soa como um mero reprodutor de fórmulas -diga-se que
agora, pela primeira vez ficam de
fora seus personagens onipresentes Jay e Silent Bob, responsáveis
pelas cenas mais "adultas" de seus
filmes anteriores de Smith.
Quando seu dito estilo aparece,
há a possibilidade de considerar
todo esse melodrama pura sátira
velada. Não é o caso. A situação
surge em um diálogo sobre abstinência sexual e masturbação conduzido por Maya (Liv Tyler),
atendente de videolocadora que
vai balançar o coração do viúvo.
Não é nenhum segredo que
Smith tirou boa parte de sua formação das prateleiras de videolocadoras. Tyler será o elo de Smith/
Affleck com essa volta ao passado,
e é a partir dela que uma nova vida será criada. É como se dissesse
que você pode se tornar adulto,
ter uma carreira e filhos, mas
nunca se verá livre de suas raízes.
O que não deixa de ser uma surpresa um tanto conservadora para um diretor que já causou tanto
barulho no passado.
Menina dos Olhos
Jersey Girl
Direção: Kevin Smith
Produção: EUA, 2004
Com: Ben Affleck, Liv Tyler, Raquel
Castro
Onde: em cartaz nos cines Bristol,
Interlagos, Paulista e circuito
Texto Anterior: Após 44 anos, fotógrafo revê SP de cima Próximo Texto: Artes cênicas: Teatro Maria Della Costa celebra 50 anos premiando seu passado Índice
|