São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2005

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"PARADISE NOW"/"HUMILHAÇÃO"

Palestino e japonês remexem podres da sociedade

LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor palestino Hany Abu-Assad operou um pequeno milagre: conseguiu filmar uma ficção sobre dois homens-bombas na véspera de sua missão terrorista (ou martírio) com uma delicadeza comovente, despindo o tema árido do tratamento panfletário que ele costuma receber nas telas, mas nem por isso lhe tirando a pungência.
É verdade que partidários mais afoitos de um lado ou de outro enxergarão em seu "Paradise Now", que a Mostra exibe hoje, o libelo que bem entenderem. Mas esses estarão fadados a perder o foco do que o filme tem de excepcional: explicar sem justificar ou defender. Incrível é que Abu-Assad tenha conseguido tamanho equilíbrio contando apenas um lado da história, o palestino. Seu segredo foi se ater a fatos (e não a opiniões) e fazer de seus personagens seres humanos, não demônios nem zumbis facilmente cooptáveis.
O filme narra o último dia de Khaled e Said (Ali Suliman e Kais Nashef, em performances formidáveis), escolhidos para executar o maior atentado terrorista (ou a maior missão de martírio) em Tel Aviv em dois anos. Para o primeiro, a motivação primeira é a vaidade -a possibilidade de ver pôsteres seus espalhados pela cidade e o vídeo com seu último testemunho antes do atentado vendido em lojas lhe enche de uma empolgação quase infantil. Para o segundo, trata-se apenas de uma tentativa de dar algum significado à vida completamente vazia que leva. Sobre eles, no entanto, pesa uma dinâmica da qual todos são vítimas e culpados.
Se está ali o contraste chocante entre a pujança de Tel Aviv com a pobreza e a humilhação constante a que os palestinos são submetidos, o diretor não se exime de mostrar como os idealizadores dos ataques se aproveitam do niilismo a que se entregam seus voluntários. Mais forte do que a opressão que vem do outro lado da fronteira é a opressão psicológica alimentada ali mesmo, dentro da sociedade palestina. Quando uma das personagens, Suha (que, como o diretor, é uma palestina que estudou na Europa), se indigna com o absurdo de matar civis inocentes, ela é imediatamente posta como traidora. Hesitar é permitido, discordar, não.
Curiosamente, ainda que esta não seja uma comparação tão simples, trata-se de uma sistemática semelhante à retratada no japonês "Humilhação", de Masahiro Kobayashi.
Só que, enquanto no palestino há uma sociedade que se torna opressora ao glorificar de modo automático aqueles que matam civis, no japonês a rigidez das convenções sociais levam a protagonista, Yuko, a ser perseguida por se voluntariar a prestar ajuda humanitária no Iraque. Após ser seqüestrada e fazer o governo negociar seu resgate, ela retorna ao Japão e passa a ser humilhada por estranhos e por conhecidos.
Irônica -e tristemente- a motivação de Yuko para se tornar voluntária é a mesma de Said para se tornar homem-bomba: ela não tem nada a perder e sua existência nada lhe traz de interessante. Julgamentos à parte, são coisas em que pensar.


Paradise Now
    
Direção: Hany Abu-Assad
Quando: hoje, às 21h30, no Metrô Santa Cruz; e dia 31, às 21h40, no Espaço Unibanco

Humilhação
   
Direção: Masahiro Kobayashi
Quando: hoje, às 22h30, na Sala UOL; e dias 29, às 18h50, no Frei Caneca Unibanco Arteplex; 31, às 17h50, no Frei Caneca Unibanco Arteplex; e 1º, às 18h10, no Cineclube Vitrine


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