|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"PARADISE NOW"/"HUMILHAÇÃO"
Palestino e japonês remexem podres da sociedade
LUCIANA COELHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O diretor palestino Hany Abu-Assad operou um pequeno milagre: conseguiu filmar uma ficção
sobre dois homens-bombas na
véspera de sua missão terrorista
(ou martírio) com uma delicadeza comovente, despindo o tema
árido do tratamento panfletário
que ele costuma receber nas telas,
mas nem por isso lhe tirando a
pungência.
É verdade que partidários mais
afoitos de um lado ou de outro enxergarão em seu "Paradise Now",
que a Mostra exibe hoje, o libelo
que bem entenderem. Mas esses
estarão fadados a perder o foco do
que o filme tem de excepcional:
explicar sem justificar ou defender. Incrível é que Abu-Assad tenha conseguido tamanho equilíbrio contando apenas um lado da
história, o palestino. Seu segredo
foi se ater a fatos (e não a opiniões) e fazer de seus personagens
seres humanos, não demônios
nem zumbis facilmente cooptáveis.
O filme narra o último dia de
Khaled e Said (Ali Suliman e Kais
Nashef, em performances formidáveis), escolhidos para executar
o maior atentado terrorista (ou a
maior missão de martírio) em Tel
Aviv em dois anos. Para o primeiro, a motivação primeira é a vaidade -a possibilidade de ver
pôsteres seus espalhados pela cidade e o vídeo com seu último testemunho antes do atentado vendido em lojas lhe enche de uma
empolgação quase infantil. Para o
segundo, trata-se apenas de uma
tentativa de dar algum significado
à vida completamente vazia que
leva. Sobre eles, no entanto, pesa
uma dinâmica da qual todos são
vítimas e culpados.
Se está ali o contraste chocante
entre a pujança de Tel Aviv com a
pobreza e a humilhação constante
a que os palestinos são submetidos, o diretor não se exime de
mostrar como os idealizadores
dos ataques se aproveitam do niilismo a que se entregam seus voluntários. Mais forte do que a
opressão que vem do outro lado
da fronteira é a opressão psicológica alimentada ali mesmo, dentro da sociedade palestina. Quando uma das personagens, Suha
(que, como o diretor, é uma palestina que estudou na Europa), se
indigna com o absurdo de matar
civis inocentes, ela é imediatamente posta como traidora. Hesitar é permitido, discordar, não.
Curiosamente, ainda que esta
não seja uma comparação tão
simples, trata-se de uma sistemática semelhante à retratada no japonês "Humilhação", de Masahiro Kobayashi.
Só que, enquanto no palestino
há uma sociedade que se torna
opressora ao glorificar de modo
automático aqueles que matam
civis, no japonês a rigidez das
convenções sociais levam a protagonista, Yuko, a ser perseguida
por se voluntariar a prestar ajuda
humanitária no Iraque. Após ser
seqüestrada e fazer o governo negociar seu resgate, ela retorna ao
Japão e passa a ser humilhada por
estranhos e por conhecidos.
Irônica -e tristemente- a
motivação de Yuko para se tornar
voluntária é a mesma de Said para
se tornar homem-bomba: ela não
tem nada a perder e sua existência
nada lhe traz de interessante. Julgamentos à parte, são coisas em
que pensar.
Paradise Now
Direção: Hany Abu-Assad
Quando: hoje, às 21h30, no Metrô Santa
Cruz; e dia 31, às 21h40, no Espaço
Unibanco
Humilhação
Direção: Masahiro Kobayashi
Quando: hoje, às 22h30, na Sala UOL; e
dias 29, às 18h50, no Frei Caneca
Unibanco Arteplex; 31, às 17h50, no Frei
Caneca Unibanco Arteplex; e 1º, às
18h10, no Cineclube Vitrine
Texto Anterior: "Manderlay": Von Trier constrói teorema cruel sobre racismo Próximo Texto: TIM Festival: Som prejudica versão paulista do festival Índice
|