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"Não quero ser igual por 50 anos"
Com repertório que vai de músicas próprias a Oscar Peterson, Eldar busca o ecletismo "porque o mundo muda'
Músico começou a ter aulas de piano clássico com a mãe aos 3 anos; desde cedo, colecionava LPs de Chick Corea, Miles Davis e outros
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
"Eldar. Eldar! Ê, ele, dê, a, erre. É, ele é russo. Muito bom, o
menino. Um gênio." Assim a
funcionária do Blue Note, uma
búlgara quarentona e aloirada
que dobra de vendedora de CDs
e telefonista, explica para um
cliente ao telefone quem será a
atração daquela noite na casa
de espetáculos de Manhattan
ligada ao lendário selo de jazz.
Pouca gente conhece Eldar
Djangirov, 20, apesar de ele estar já no terceiro CD. Mas um
séquito fiel começa a descobrir
os talentos do menino -fiel o
suficiente para lotar todas as
mesas do lugar na noite em
questão, há alguma semanas,
no verão nova-iorquino. Os
brasileiros terão a chance de
conferir ao vivo, de amanhã a
segunda, no Tim Festival, no
Rio, em São Paulo e em Vitória.
Com nome de elfo do "Senhor dos Anéis" e rosto do Alfred E. Newman, da revista
"Mad", Eldar nasceu em 28 de
janeiro de 1987, no Quirguistão,
então uma das repúblicas soviéticas, dois anos antes da queda do Muro de Berlim. Seu pai
era um engenheiro mecânico
com bom acesso ao Politburo, o
que permitia a ele viajar ao exterior freqüentemente.
Fã de jazz, na volta das viagens ele contrabandeava LPs
de nomes como Oscar Peterson, Chick Corea, Herbie Hancock e Miles Davis. Foram essas bolachas, mais as aulas
de piano clássico dadas desde
os três anos pela mãe de Eldar
("Uma professora russa estereotípica", afirma ele à Folha),
que forjaram o pianista que toca agora no Blue Note, para a
platéia predominantemente
asiática.
Chopin, e não Mozart
Lembro que outro pianista
começou a tocar aos três anos,
mas que em sua página no
MySpace Eldar lista Chopin como influência, e não Mozart.
"Musicalmente, prefiro o período romântico, porque o conceito é similar ao que faço", diz.
"Chopin é lindo. Liszt é outro,
adoro a maneira como faz arranjos, o piano funcionando como uma orquestra inteira."
Eldar diz que está animado a
tocar no Brasil (se essa frase
fosse patenteada, o detentor
dos direitos seria bilionário).
Que é fã de Tom Jobim (idem).
Lembro ele que a moeda do
Quirguistão chama-se "som" e
explico o significado da palavra
em português. Ele não parece
impressionado. Digo a ele que a
capital de seu país tem um bairro, Chui, que é o nome da cidade brasileira mais ao sul.
"Olha, eu não sei muito sobre
o Quirguistão, saí de lá muito
cedo", corta, muito educadamente, o quirguiz que viveu em
Kansas City e hoje mora em
Nova York. Passo então ao seu
nome: não tem medo de não ser
levado a sério ao adotar o sistema de nome único, como Cher
e as modelos da "Playboy"? Ele
ri e diz que aboliu o Djangirov a
conselho de seu selo norte-americano, que achava o sobrenome "muito étnico".
No show, o menino é rápido.
Incrivelmente rápido. E toca
bem. Muito bem. Um Oscar Peterson de 20 anos que ouve
Mos Def e tem os traços de Art
Tatum, com pitadas de McCoy
Tyner e a velocidade de Kenny
Kirkland. Acompanhado de
Earl Travis no baixo e Terreon
Gully na bateria, ele dedilha alternadamente um Steinway,
um Rhodes e um Korg.
No repertório, as composições de seu último álbum, "Re-Imagination", quase todo original. Ele abre o show com "I Remember When", uma bela homenagem aos pais. Emenda
com o standard "Out of Nowhere", em que enfia citações a "A
Night in Tunisia", de Dizzie Gillespie. Então, vai de "Place St.
Henri", de Oscar Peterson, e
"South Bixel", dele.
Pergunto se tamanho ecletismo não pode confundir. "Eu
não quero ser a mesma coisa
por 50 anos", responde. "Quero
aprender. Meu fundamento é
música clássica, eu sou um pianista de jazz, mas acho que a
atitude muda, porque o mundo
muda. Não quero comer o mesmo cereal todas as manhãs."
Os americanos que vieram
em busca do prodígio-mirim do
circuito dos talk-shows saem
impressionados. Um casal discute: "É russo?". "Não, acho
que é polaco". Já os brasileiros
verão um artista original e talentoso que tenta se desvencilhar do patchwork de influências que ainda o envolve.
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