São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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"Não quero ser igual por 50 anos"

Com repertório que vai de músicas próprias a Oscar Peterson, Eldar busca o ecletismo "porque o mundo muda'

Músico começou a ter aulas de piano clássico com a mãe aos 3 anos; desde cedo, colecionava LPs de Chick Corea, Miles Davis e outros

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

"Eldar. Eldar! Ê, ele, dê, a, erre. É, ele é russo. Muito bom, o menino. Um gênio." Assim a funcionária do Blue Note, uma búlgara quarentona e aloirada que dobra de vendedora de CDs e telefonista, explica para um cliente ao telefone quem será a atração daquela noite na casa de espetáculos de Manhattan ligada ao lendário selo de jazz.
Pouca gente conhece Eldar Djangirov, 20, apesar de ele estar já no terceiro CD. Mas um séquito fiel começa a descobrir os talentos do menino -fiel o suficiente para lotar todas as mesas do lugar na noite em questão, há alguma semanas, no verão nova-iorquino. Os brasileiros terão a chance de conferir ao vivo, de amanhã a segunda, no Tim Festival, no Rio, em São Paulo e em Vitória.
Com nome de elfo do "Senhor dos Anéis" e rosto do Alfred E. Newman, da revista "Mad", Eldar nasceu em 28 de janeiro de 1987, no Quirguistão, então uma das repúblicas soviéticas, dois anos antes da queda do Muro de Berlim. Seu pai era um engenheiro mecânico com bom acesso ao Politburo, o que permitia a ele viajar ao exterior freqüentemente.
Fã de jazz, na volta das viagens ele contrabandeava LPs de nomes como Oscar Peterson, Chick Corea, Herbie Hancock e Miles Davis. Foram essas bolachas, mais as aulas de piano clássico dadas desde os três anos pela mãe de Eldar ("Uma professora russa estereotípica", afirma ele à Folha), que forjaram o pianista que toca agora no Blue Note, para a platéia predominantemente asiática.

Chopin, e não Mozart
Lembro que outro pianista começou a tocar aos três anos, mas que em sua página no MySpace Eldar lista Chopin como influência, e não Mozart. "Musicalmente, prefiro o período romântico, porque o conceito é similar ao que faço", diz. "Chopin é lindo. Liszt é outro, adoro a maneira como faz arranjos, o piano funcionando como uma orquestra inteira."
Eldar diz que está animado a tocar no Brasil (se essa frase fosse patenteada, o detentor dos direitos seria bilionário). Que é fã de Tom Jobim (idem). Lembro ele que a moeda do Quirguistão chama-se "som" e explico o significado da palavra em português. Ele não parece impressionado. Digo a ele que a capital de seu país tem um bairro, Chui, que é o nome da cidade brasileira mais ao sul.
"Olha, eu não sei muito sobre o Quirguistão, saí de lá muito cedo", corta, muito educadamente, o quirguiz que viveu em Kansas City e hoje mora em Nova York. Passo então ao seu nome: não tem medo de não ser levado a sério ao adotar o sistema de nome único, como Cher e as modelos da "Playboy"? Ele ri e diz que aboliu o Djangirov a conselho de seu selo norte-americano, que achava o sobrenome "muito étnico".
No show, o menino é rápido. Incrivelmente rápido. E toca bem. Muito bem. Um Oscar Peterson de 20 anos que ouve Mos Def e tem os traços de Art Tatum, com pitadas de McCoy Tyner e a velocidade de Kenny Kirkland. Acompanhado de Earl Travis no baixo e Terreon Gully na bateria, ele dedilha alternadamente um Steinway, um Rhodes e um Korg.
No repertório, as composições de seu último álbum, "Re-Imagination", quase todo original. Ele abre o show com "I Remember When", uma bela homenagem aos pais. Emenda com o standard "Out of Nowhere", em que enfia citações a "A Night in Tunisia", de Dizzie Gillespie. Então, vai de "Place St. Henri", de Oscar Peterson, e "South Bixel", dele.
Pergunto se tamanho ecletismo não pode confundir. "Eu não quero ser a mesma coisa por 50 anos", responde. "Quero aprender. Meu fundamento é música clássica, eu sou um pianista de jazz, mas acho que a atitude muda, porque o mundo muda. Não quero comer o mesmo cereal todas as manhãs."
Os americanos que vieram em busca do prodígio-mirim do circuito dos talk-shows saem impressionados. Um casal discute: "É russo?". "Não, acho que é polaco". Já os brasileiros verão um artista original e talentoso que tenta se desvencilhar do patchwork de influências que ainda o envolve.


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