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Artista que começou aos 60 conquista mercado
Críticos e galeristas elogiam fluminense Lucia Laguna, 68, que tem boas vendas
Ex-professora da rede pública do Rio diz que, após aposentadoria, passou por 6 meses de "vazio'; talento surgiu após aulas de pintura
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi olhando o morro da Mangueira pela janela de casa, em
2000, que a aposentada Lucia
Laguna, à época com 60 anos,
achou o que buscava desde que
abandonara o magistério, sete
anos antes.
"Do outro lado, havia um
morro. Achei que precisava trabalhar o meu entorno, a paisagem que me rodeia. Essa era a
resposta que eu procurava tanto e que talvez aplacasse a minha angústia", conta ela.
Nove anos depois e ainda inquieta, hoje, Laguna, 68, é destacado nome da pintura brasileira e acaba de ganhar sua primeira individual em São Paulo,
na galeria Virgilio, em cartaz
até 14 de novembro. Com exceção de uma grande tela, que
custa em média R$ 40 mil, todos os outros nove quadros foram arrematados por grandes
colecionadores de São Paulo.
O estilo da artista é uma complexa mescla de cenas abstratas
e figurativas. Planos, linhas e
cores se misturam em telas de
grande tamanho, algumas com
2 m de largura. O emaranhado
urbano da favela é transposto
para as pinturas, mas de modo
não literal.
"A Laura [Marsiaj, dona de
uma das maiores galerias do
Rio, que a representa] tem vendido todos os meus trabalhos
também. Na verdade, até estou
em dívida com ela porque já
tem gente procurando as obras
e eu não estou dando conta",
conta ela, que foi chamada de
"pintora de mão cheia" por
Paulo Sergio Duarte, 62, ex-curador da Bienal do Mercosul e
um dos mais influentes críticos
de arte do país.
"Lucia é atualmente uma referência da pintura contemporânea no país. Tem um vigor e
uma jovialidade admiráveis e é
dona de um universo plástico
muito original", comenta ele.
Cuspe e giz
Nada mau para uma ex-professora da rede municipal do
Rio, nascida em Campos (a 280
km do Rio), formada em letras
em São João del Rei (MG) e que
administrava, ao lado do marido, uma pequena fábrica de
brinquedos educativos próxima à residência, no bairro São
Francisco Xavier.
No ano histórico de 1968, Laguna concluiu a graduação e foi
morar no Rio. No início, dava
aulas da antiga disciplina comunicação e expressão para
alunos de colégios particulares
da Tijuca.
"Eram aulas muito voltadas
para teatro, leitura de poesia,
interpretação de texto. Cecília
Meireles, Drummond e Julio
Cortázar eram os meus autores
preferidos para dar na classe",
lembra ela. Os estudantes faziam tarefas a partir de peças
ou filmes que frequentavam.
Em 1973, passou em um concurso para ser professora da rede municipal e foi dar aulas
também em Inhaúma, bairro
ainda mais distante da zona
norte do Rio.
"Aí era só na base do cuspe e
giz. Tudo era muito pobre. Mas
nunca deixei de oferecer o melhor que podia. Eram aulas com
muita coisa de revistas, jornais.
Os adolescentes conseguiam
pegar o que eu lançava."
Laguna diz que, na época,
não eram comuns os casos de
agressões contra professores.
"Isso começou a crescer justamente quando eu deixei de dar
aulas. O máximo que havia era
ter de esperar os estudantes ficarem quietos e sentados na sala, coisa que às vezes demorava
mais de dez minutos."
A vida no magistério transcorreu calma até a aposentadoria, em 1993. "Depois, passei
uns seis meses de vazio. Fazia
as coisas domésticas, bordava,
criava até bijuterias. Também
ajudava meu marido na fábrica,
mas faltava algo."
O cotidiano modorrento começou a mudar quando Laguna
viu na televisão uma reportagem sobre a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Jardim Botânico, bairro nobre da
zona sul carioca.
"Disse comigo: "Vou lá ver isso". Frequentava raramente
museus e conhecia de forma
mediana alguns artistas proeminentes, como os impressionistas e Velázquez."
Na escola, conheceu o professor Luiz Ernesto, que ministrava aulas de pintura. "Fiquei
fascinada pelo modo como ele
falava de arte. Descobri um
mundo novo, e foi exatamente
por meio da pintura."
No Parque Lage, a pintora
encontrou outra grande influência, o professor Charles
Watson, que organizava excursões artísticas pela Europa e
pelos Estados Unidos.
"No início, não tinha dinheiro e trocava telas pelas viagens.
Comecei a ver pintores que
passei a admirar, como Sean
Scully e Richard Diebenkorn."
Prêmios e participações em
salões vieram na década seguinte, com o
fortalecimento de estilo mais
ligado às paisagens urbanas, algo caóticas, dos morros do Rio.
"Por isso, a série que apresento
agora se chama "Janela". Foi algo que custou a surgir, mas que
estava ao meu lado."
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