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COMENTÁRIO
Aqui, a indústria vem depois
INÁCIO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Brasília 2003 não é, em definitivo, um festival de veteranos, aos quais se oporia um "novo
cinema brasileiro". A oposição
que se desenha por aqui é entre
indústria cultural e arte industrial.
Qual a diferença? Numa, a indústria vem depois; na outra, vem
antes. Numa se fala em arte, na
outra em cultura. Numa, o público protagoniza um diálogo às vezes árido com a obra, na outra,
oferece-se, quase sempre, um
prato pronto.
Essa é a encruzilhada em que o
cinema brasileiro foi lançado pela
necessidade de reconquistar seu
público, a partir dos anos 90, num
mercado cinematográfico diverso
do que existiu até a década de 80.
Aos poucos, foram aparecendo os
êxitos da retomada, a crença de
que é possível atingir grandes públicos etc.
Do ponto de vista da indústria
cultural, esse é o paraíso. Da arte
que é o cinema, nem tanto. Brasília, pelo menos, lembra a vários
aspirantes ao sucesso que cinema
não é contar uma historinha.
Provocações
"O Signo do Caos", "Filme de
Amor", "Garotas do ABC", "Lost
Zweig" são filmes provocativos
(embora muito diferentes entre
si), que chamam o espectador a se
posicionar diante da própria narratividade (no caso dos três primeiros) ou a questionar a história
brasileira ("Zweig").
Existem, é claro, gradações: "O
Signo do Caos" gira em torno da
impossibilidade da imagem e do
cinema. Rogério Sganzerla faz seu
filme gravitar em torno de uma
frase cheia de sentidos: "Você ainda não viu nada. Nem vai ver".
E é ao "não ver" decorrente de
nosso pecado original (a perda
dos negativos de "É Tudo Verdade", a censura a Orson Welles, à
hipótese de ver o Brasil com olhos
livres).
Com "Garotas do ABC", Carlos
Reichenbach parece responder
com ênfase a esse negativismo.
No filme, estão operárias bonitas,
sindicalistas sedutores, skinheads
boçais, drama, aventuras, chanchada, o trabalho e o lazer vistos
com olhos liberados das convenções do filme social e do drama
psicológico.
Julio Bressane reafirma seu desejo de uma arte que atravessa o
tempo e espaço sem timidez e parece buscar o antigo ideal do cinema como síntese de todas as artes
(ou signo de todos os signos?).
"Filme de Amor" resgata à mitologia grega a figura das Três Graças (deusas da alegria, do encanto
e da beleza) e as transporta ao Rio
de Janeiro num filme belíssimo,
que corre, no entanto, o risco de
intimidar o espectador pela enorme erudição envolvida e pela austeridade com que trata o tema do
amor.
Mesmo antes da exibição de
"Harmada", de Maurice Capovilla, que aconteceria segunda à
noite, o certo é que estamos diante de um conjunto de filmes para
quem o cinema só é produto subsidiariamente. E que, em definitivo, não tem a função de adular o
espectador ou comerciar nossa
miséria (como diz Glauber em
"Glauber o Filme").
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