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CINEMA
No Rio, mostra do Arquivo Nacional traz trechos censurados pelo regime militar e "ABC da Greve", de Leon Hirzsman
Recine revela os cortes da tesoura federal
MÁRVIO DOS ANJOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Hoje e amanhã, "o país sem memória" vai poder se lembrar até
das cenas que não conseguiu ver.
O Arquivo Nacional promove no
Rio a Recine 2003, mostra de cinema de arquivo que vai destacar a
produção cinematográfica censurada durante o regime militar.
No jardim interno do belo conjunto neoclássico do órgão, serão
exibidos "Cortes da Censura Federal" hoje, e "ABC da Greve", de
Leon Hirzsman (1938-87) amanhã, sempre às 19h30. Hoje haverá também dois debates, às 14h e
às 16h, sobre cinema e censura.
"Cortes" foi montado pelo próprio Arquivo Nacional a partir de
um fato curioso: várias latas contendo fragmentos de filmes censurados ficaram por vários anos
nas dependências da Polícia Federal em Brasília, sem que se soubesse exatamente o que eram.
O cheiro de vinagre, causado
pela deterioração do acetato das
películas, acabou forçando a
transferência para o Arquivo Nacional, primeiro em Brasília e depois no Rio, onde finalmente foi
descoberto seu valor histórico.
Os trechos de longas, curtas, e
até de anúncios de TV foram
compilados e editados na Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do órgão,
sob chefia de Clovis Molinari Jr.
Entremeados com reproduções
dos pareceres sobre as cenas, o resultado, muitas vezes divertido,
dá uma panorâmica sobre como
funcionava a censura, segundo
Molinari.
"É famosa a história de um censor que bateu na porta de um teatro chamando Sófocles de subversivo", diz Molinari. "Muitas vezes
os cortes são coisas que hoje nós
percebemos como bobagens, pelo
distanciamento histórico. E, se
havia tanta preocupação com essas bobagens, podemos ter uma
idéia de como o regime era frágil."
Entre as "bobagens", Molinari
aponta os cortes de cunho moralista, que proibiam expressões como "rabo gostoso", no trailer de
"O Jogo da Vida" (1977), de Maurice Capovilla, e até abusos críticos, como o caso de "Luciana, a
Comerciária" (75), de Mozart
Cintra, cortado por ter "baixo nível técnico" e pelo "ridículo das
atuações", escreve o censor.
Há sucessos como "A Dama do
Lotação" (78), de Neville de Almeida, e "Menino do Rio" (82), de
Antonio Calmon, que perdeu
uma cena em que personagens fumavam um cigarrinho "que não é
o convencional", diz o parecer.
Ao longo do filme, porém, as
"bobagens" dão lugar aos cortes
feitos em documentários de enfoque mais político, como "Restos"
(75), de José Batista Moraes de
Andrade, e "Veias Abertas" (75),
de Luiz Arnaldo Campos.
"Nossa idéia é partir do mais
light, do mais divertido, para encaminharmos o público para o
clima de "ABC da Greve'", diz Molinari. O filme de Leon Hirzsman,
praticamente inédito no Brasil,
narra a luta do movimento sindical no ABC paulista, tendo como
líder Luís Inácio Lula da Silva.
"Estamos devolvendo ao público algo que ele foi impedido de
ver, para que possa tirar suas próprias conclusões", diz Molinari,
afirmando que os filmes devem
ganhar uma mostra itinerante
gratuita em salas pelo Brasil.
RECINE 2003. Exibição de filmes,
debates e exposição sobre a censura na
produção audiovisual. Hoje: debates (às
14h e às 16h) e exibição de "Cortes da
Censura Federal" (às 19h30). Amanhã:
"ABC da Greve", de Leon Hirszman (às
19h30). Onde: Jardim Interno - Arquivo
Nacional (pça da República, 173, Centro,
Rio de Janeiro). Entrada Franca.
Informações: 0/xx/21/3806-6166.
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