São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2006

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Réplica

Crítica frágil à mostra "Paralela 2006" encobre malabarismos

VITÓRIA DANIELA BOUSSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num ato de malabarismo, o estranho texto "Recorte frágil encobre contradições" (Ilustrada, 18 de novembro) elogia a "Paralela 2004" por seu recorte nacional e considera essa característica, estendida à edição 2006, uma forma de provincianismo. Reivindica um caráter original para a arte brasileira e a preocupação de se encontrar nela uma categoria nacional.
Escorrega na falta de preparo conceitual e de compreensão teórica: o problema da originalidade na arte é um mito das vanguardas modernistas.
A questão do nacional, no que se refere à arte brasileira, foi desencadeada na Semana de Arte Moderna de 1922 para liberar a cultura brasileira do cenário colonial e sintonizar o Brasil com as tendências internacionais. Mas esta é uma questão superada.
Desde o início dos anos 80, com a globalização, o planeta se viu frente à diluição de fronteiras: as viagens dos artistas brasileiros se intensificaram e eles se aglutinaram ao redor de um mercado de arte mais profissionalizado, com a ação de galeristas como Marcantonio Vilaça, que, com alguns curadores, colocou definitivamente a arte brasileira no mapa do mundo.
A edição 2006 da "Paralela" considerou essas evidências.
Na contramão do provincianismo, trabalhou em uma instância de "descuratorialização" e deixou o artista livre para escolha e definição do formato mais adequado da obra no espaço expositivo, descartando-se aí qualquer resquício de "sensacionalismo" por parte da curadoria. A "Paralela" aposta na diversidade e não tem tema.
Quanto à produção artística brasileira, ela é internacional em seus procedimentos éticos, estéticos e se afirma com poéticas contemporâneas.
Sem as estratégias de difusão que vêm sendo colocadas em circulação pelo mercado de arte, seria possível imaginarmos o circuito da arte da forma como hoje este se apresenta? Não seria pura ingenuidade supormos que nas bienais e nas grandes mostras que acontecem mundo afora não ocorrem vendas, negociações e não existem interesses vinculados ao marketing?
Nos anos 70, Mário Pedrosa afirmou que a Bienal não escapou das "especulações comerciais ao redor de prêmios, combinações pessoais...". E concluiu que "as leis do mercado capitalista não perdoam. A arte, uma vez que assume valor de câmbio, torna-se mercadoria como qualquer presunto".
Se no tempo de Pedrosa o mercado de arte era a grande ameaça, hoje o foco se deslocou. Não é o mercado de arte que nos ameaça, mas é a evanescência dos poderes públicos e a fragilidade das nossas instituições. De Pedrosa, resguarda-se a consciência crítica e a preservação do ato criador em busca de emancipação.

Mercado e instituições
O mercado de arte é hoje um dos braços de sustentação do sistema das artes, e as galerias tomaram uma iniciativa que contempla a reunião de nomes significativos da arte contemporânea brasileira. Essa ação vem crescendo gradativamente, sem ser seguida pelas instituições culturais. Onde, no Brasil, o público pode apreciar uma mostra como essa, que reúne num mesmo local as obras dos maiores artistas brasileiros?
Quem pode negar a importância desses artistas e a qualidade de suas obras?
Qual o problema das galerias terem doado obras para o acervo da municipalidade em troca do espaço do Prodam para a realização da "Paralela 2006"?
A profissionalização da arte pela emergência de um sistema marchand-crítico e institucional fortalecidos, inseridos em uma economia, gera novas relações de produção e é uma das formas de assegurarmos o crescimento da arte em bases dignas para artistas e demais integrantes do circuito da arte contemporânea.
Mas falta um ingrediente para que o sistema da arte se complete. Falta uma mídia sintonizada com a arte contemporânea, isenta de interesses de grupos que visam denegrir a imagem dos que pensam e agem diferentemente deles. Falta uma mídia que identifique o trabalho sério e que possa abrir espaço para o diálogo respeitoso.


VITÓRIA DANIELA BOUSSO é diretora do Paço das Artes e foi curadora da "Paralela 2006"

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