São Paulo, quarta, 25 de novembro de 1998

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COMUNICAÇÃO
Para sociólogo francês, mídia transforma tudo em satélite; ele faz hoje palestra sobre arquitetura no Rio
Baudrillard traz seu radicalismo ao país

JUREMIR MACHADO DA SILVA
especial para a Folha

O sociólogo Jean Baudrillard, 69, está no Brasil. O pensador francês veio à América do Sul a convite da Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, que terminou ontem. A parada, no Rio, antes do retorno à França, também servirá para "uma reflexão sobre o espaço". A palestra acontecerá no Instituto dos Arquitetos do Brasil.
"Será que a arquitetura ainda existe além de sua realidade própria, além da sua verdade, numa espécie de radicalismo, de desafio ao espaço (e não apenas da gestão do espaço), de desafio a esta sociedade (e não apenas de obediência às suas contingências e de espelho das instituições), de desafio à criação arquitetônica em si, ao arquiteto criador e à ilusão de sua habilidade?", adianta ele o tom da palestra em texto de apresentação.
Pensador do radical e dos fenômenos extremos, Baudrillard considera-se um "paroxista indiferente". Praticante da ironia e do paradoxo, enxerga o conformismo onde outros imaginam germinar a revolução. Para ele, quando a crítica se transforma em moralismo, somente a derrisão, o escárnio fatal pode gerar rebelião.
Autor de ensaios como "A Sociedade de Consumo" e "A Transparência do Mal", Baudrillard nunca parou de mudar para melhor destruir as ilusões do paraíso. Em seu mais recente livro publicado no Brasil, "Tela Total" (Sulina, 1997), desarticula as fantasias da era do virtual e da imagem. À Folha, Baudrillard falou sobre a mídia. Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - Pensar a mídia do ponto de vista de um manual de utilização não lhe interessa. Existe ainda alguma interrogação legítima e inovadora sobre o funcionamento dos meios de comunicação?
Jean Baudrillard -
Deixadas de lado as soluções fáceis interessadas em estabelecer o bom uso da mídia, vejo um território extremamente profissionalizado e que adquiriu uma espécie de transcendência em relação à sociedade.
Houve, talvez, um momento em que foi possível estabelecer na mídia relações dialéticas entre o meio e a mensagem. Acabou. Impôs-se uma hegemonia que não é nem sequer política, pois o político também acaba "curto-circuitado".
Quem aceita a lógica orbital torna-se satélite. Quem se recusa a desempenhar o papel de recondutor de informação é excluído ou, por conta própria, retira-se do jogo. De certo modo, é bom que a mídia exista e absorva tudo, crie uma situação radical na medida em que nada escapa ao controle e, se por acaso alguém inventar algo exterior a isso, teremos certeza de que se trata de algo substancial.
Folha - Em se tratando da mídia, a esquerda sonhou com a transparência. Reina a obscenidade. A direita apostou nela como fator de moralização. Impera a crise de valores. Seria a mídia regida pela lei da inversão inexorável do sonho em pesadelo?
Baudrillard -
Trata-se de pesadelo na medida em que todos os sonhos são realizados. Tudo o que pode depender da imaginação acaba absorvido pela imagem. Estamos de fato no domínio do visual, sendo que não há mais possibilidade de autonomia para a imaginação e a imagem. Nem vale a pena qualquer referência à palavra.
Folha - O que se pode esperar da evolução da mídia?
Baudrillard -
Qual será a evolução da mídia? É limitada. Como o resto, está destinada a ser engolida por seu próprio funcionamento. Ela acabará por se tornar imediata, de tal modo absorvida pela vida corrente que não haverá mais fronteira entre elas. Antes existia um domínio privado. Hoje, quando alguém anda na rua, o celular funciona. As pessoas não se desconectam mais. Se isso significa evolução, implica o desaparecimento da mídia como a conhecemos.
Espero, contudo, que muita coisa resista a isso. Mesmo parte da mídia começa a se questionar, numa espécie de arrependimento, sobre as justificativas usadas até agora. O problema é que essa reflexão sempre aparece em termos morais, políticos ou econômicos. Tenta-se estabelecer uma política do virtual, assim como uma política, uma moral ou uma deontologia da mídia. Ora, por definição, a mídia representa a eliminação do político.
Folha - Há futuro para a mídia?
Baudrillard -
Não. O futuro da mídia consiste em tornar o presente cada vez mais presente, o tempo cada vez mais real e, portanto, de eliminar a própria questão do devir. A mídia anula todas as questões anteriores a ela, sobre a liberdade, sobre a identidade etc.
Folha - É um destino irreversível?
Baudrillard -
Ninguém pode ser profeta quanto a isso. A lógica do sistema é irreversível, enquanto mecanismo. Não vejo saída fora da catástrofe do próprio sistema. Mas não podemos esquecer que muitas coisas resistem. Por exemplo, a linguagem. Talvez um dia se chegue a uma transfusão de todas as línguas numa linguagem digital e virtual. Em todo caso, as línguas naturais continuam irredutíveis, o que é extraordinário.
²

Palestra: Verdade ou Radicalismo na Arquitetura, com Jean Baudrillard
Quando: hoje, às 19h
Onde: Instituto dos Arquitetos do Brasil (r. do Pinheiro, 10, Flamengo, Rio de Janeiro, tel. 021/557-4192)
Quanto: entrada franca




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