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LIVRO - LANÇAMENTO
Millôr comenta sua produção juvenil
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
Um homem de 74 anos -cético,
arredio, mas consagrado- observa um rapaz de 25 -também cético, mas talentoso, promissor- e
relata o que vê.
O resultado do encontro está no
livro "Tempo e Contratempo", que
a editora Beca, recém-fundada,
acaba de lançar em São Paulo.
Moço e velho são, na verdade, a
mesma pessoa: o humorista, dramaturgo, desenhista e tradutor carioca que recebeu dos pais o nome
de Milton, já se escondeu sob o
pseudônimo de Vão Gôgo e hoje se
chama Millôr Fernandes.
"Por outro lado", como frisam os
editores do livro, "talvez não se
possa dizer que alguém seja a mesma pessoa depois de passados 49
anos". Também não se pode dizer
literalmente que a Beca está lançando "Tempo e Contratempo".
Trata-se, em parte, de uma reedição, porque o livro original -com
título idêntico- nasceu há quase
meio século.
Era uma coletânea de poemas,
historietas, ensaios cômicos e desenhos que Vão Gôgo, 25, costumava publicar na seção Pif-Paf da
revista "O Cruzeiro".
Agora, porém, há o olhar de Millôr Fernandes. O volume que está
chegando às lojas traz tudo que o
primeiro livro trazia. Mas acrescenta, à produção do artista quando jovem, observações do escritor
setuagenário.
Às vezes, são ponderações negativas, que repudiam abertamente
as "sacadas" de Vão Gôgo. "O desenho dos pássaros e do sol, (...)
não gosto. Preferia mais acabado",
afirma Millôr, sobre as ilustrações
que compõem a capa de "Tempo e
Contratempo".
Outras vezes, o criador experiente se comporta como um pai coruja, vaidoso com as façanhas do filho precoce. É assim, por exemplo,
ao analisar textos de Vão Gôgo que
imitam a linguagem das crianças
(caso de "A Água": "A água de beber sai da bica mas nunca vi como
ela entra lá. Também no chuveiro a
água sai fininha mas não entendo
como ela cai fininha quando chove
pois o céu não tem furo".)
"Acho-os bem originais", escreve Millôr, "com excelente capacidade do autor entrar numa cabeça
supostamente infantil-zen."
Adota o mesmo tom orgulhoso
(embora salpicado de ironia) para
explicar de onde tirou o pseudônimo juvenil. "Emmanuel Vão Gôgo
se compunha de Immanuel, de
Kant, altas filosofias, mais Vão,
vaidoso, fútil, mais Gôgo, gosma
das galinhas. No meio disso tudo, a
homenagem, pela paronímia, de
Vão Gôgo com Van Gogh. "Rico,
no, mamita?'"
O ponto alto do livro, no entanto,
são as recriações, os instantes em
que o humorista reaproveita uma
idéia da juventude.
Se Vão Gôgo produziu a célebre
"Poesia Matemática", testemunhando o amor de "um Quociente" por "uma Incógnita", Millôr faz
a "Poesia Geométrica", desta vez
de inclinação gay: "Pontudo poliedro/ Ao entrar numa equação/ Encontrou um Rombóide exemplar/
De ângulos sem par/ E negra simetria linear/ "Eureka!', estremeceu./
"Newton, me ajuda de verdade,/
Que perco a gravidade!'".
Se Vão Gôgo contou a fábula de
Chapeuzinho Vermelho como
uma reportagem de "O Cruzeiro",
Millôr narra a mesma história à
maneira do romancista Guimarães
Rosa: "No contravisto do caminho, Capuchinho Purpúreo ia à
frente, a com légua de andada, no
desmedo da Floresta. O bornoz estornava demasias de gula, carnalidades, guleimas, bebeiras e pitanças pra boca de pessoa, a vó, sem
nem aviso antes".
Cético desde que, criança, perdeu a mãe ("percebi claramente
que não havia Deus, não havia diálogo, e descobri, para sempre, a
paz da descrença"), Vão Gôgo-Millôr também cultiva o desprezo pela psicanálise.
"Na era psicanalítica, não se sofre mais de coceira. Tem-se um tique", zombou aos 25.
"Sou um antifreudiano porreta e
não acredito que se deva remexer
nas profundas da alma", reiterou
aos 74. "O homem (ser humano) é
uma máquina de enrustir."
Curiosamente, há dois dias, protagonizou um episódio que Freud
adoraria analisar. Depois de se
comprometer a participar de três
programas de TV e de marcar entrevistas com dois jornais (incluindo a Folha), desistiu de tudo, na última hora.
À sua assessoria, explicou assim
a repentina mudança de rumo:
"Não sei lidar com elogios. Não
gosto que gostem de mim. Não
gosto que falem de mim."
²
Livro: Tempo e Contratempo
Autores: Vão Gôgo e Millôr Fernandes
Lançamento: Beca
Quanto: R$ 86 (160 págs)
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