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LITERATURA
Relato esmiúça farsa em julgamento do caso Rosenberg
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O caso Rosenberg mobilizou
a opinião pública mundial
no início da segunda metade do
século 20.
Em 19 de junho de 1953, os americanos Julius e Ethel Rosenberg
foram executados no presídio de
Sing Sing por espionagem a favor
da então União Soviética, após
meses de intensos debates e manifestações em dezenas de países.
O jornalista brasileiro Assef
Kfouri aproveitou o cinquentenário do episódio para publicar um
livro em que o reconstitui. "O Caso Rosenberg" é um trabalho
muito bem realizado e que se
transformou no embrião de uma
nova editora, a Barcarola, que estará no mercado a partir de março
e dará ênfase a trabalhos de jornalistas (o livro foi editado pela Códex e pelo escritório de comunicação de Lu Fernandes, que depois resolveu formar a Barcarola
com o jornalista Jorge Félix).
Kfouri conhece os Estados Unidos -onde viveu-, é meticuloso
no levantamento de informações,
mantém distanciamento crítico
em relação a apologistas e detratores dos réus e dos que os acusaram. Além disso, teve o cuidado
de complementar o relato do incidente com capítulos em que o localiza no contexto histórico e cultural da época, sem o que seria
impossível compreender sua dimensão.
Embora justificadamente sumários, os textos sobre os anos 50,
a Guerra Fria, o macarthismo e o
movimento comunista nos EUA
ajudam o leitor brasileiro, especialmente o mais jovem, a entender por que o caso Rosenberg teve
imenso significado político. Didático, o autor ainda compilou um
muito útil apêndice de personagens e instituições.
Apesar de equidistante, Kfouri
deixa claro que documentos encontrados após a queda do Muro
de Berlim na antiga URSS comprovaram que os Rosenberg integravam uma rede de espionagem
nos EUA. Talvez, contudo, pudesse ter dado mais realce às diversas
falhas do processo que levou à
condenação à morte dos dois.
Na verdade, o método da denúncia contra os Rosenberg seguiu a mesma linha de raciocínio
da justificativa oferecida pelo governo Bush para a invasão do Iraque. A decisão de matar o casal
Rosenberg havia sido tomada pelo "establishment" americano independentemente da demonstração de sua culpa, assim como a de
eliminar Saddam Hussein nada
tinha a ver com armas de destruição em massa.
É curioso, aliás, que Bush agora
afirme que "não faz diferença" se
Saddam tinha as tais armas ou se
só planejava tê-las. Os Rosenberg
também não foram legalmente
incriminados por praticarem espionagem, mas por conspirarem
para praticar espionagem. Trata-se da lógica preventiva que embasa a Doutrina Bush: eliminar a
ameaça ainda que ela só exista na
mente do potencial inimigo.
Se esse raciocínio já é inaceitável
em política, é ainda mais escandaloso num sistema jurídico que
precisa necessariamente se basear
em fatos, evidências, provas, testemunhos incontestáveis para
merecer credibilidade.
Os Rosenberg não foram indiciados, como em geral se supõe,
por traição, crime punível com a
pena capital nos EUA. Eles não foram nem sequer formalmente imputados por roubo de segredos
atômicos americanos entregues
ao governo soviético.
A condenação se baseou em testemunhos questionáveis, muitos
desmentidos depois pelos próprios depoentes. Documentos do
governo americanos postos recentemente à disposição do público mostram que o juiz Irving
Kaufman mantinha reuniões com
a promotoria na ausência da defesa, ato flagrantemente ilegal.
Além disso, Irving Kaufman
-como revela outro documento
do FBI que deixou de ser considerado secreto há pouco tempo-
havia se comprometido a aplicar a
pena de morte aos Rosenberg se
fossem condenados, e essa posição foi uma das razões principais
para a sua escolha para presidir o
julgamento.
Assim como os papéis de Verona, descobertos na URSS e citados
por Kfouri como elemento definitivo sobre a culpabilidade dos Rosenberg, vários documentos que
têm vindo à luz nos EUA provam
que seu julgamento foi uma farsa.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
O Caso Rosenberg
Autor: Assef Kfouri
Editora: Códex
Quanto: R$ 40 (324 págs.).
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