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São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

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LITERATURA

Relato esmiúça farsa em julgamento do caso Rosenberg

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O caso Rosenberg mobilizou a opinião pública mundial no início da segunda metade do século 20.
Em 19 de junho de 1953, os americanos Julius e Ethel Rosenberg foram executados no presídio de Sing Sing por espionagem a favor da então União Soviética, após meses de intensos debates e manifestações em dezenas de países.
O jornalista brasileiro Assef Kfouri aproveitou o cinquentenário do episódio para publicar um livro em que o reconstitui. "O Caso Rosenberg" é um trabalho muito bem realizado e que se transformou no embrião de uma nova editora, a Barcarola, que estará no mercado a partir de março e dará ênfase a trabalhos de jornalistas (o livro foi editado pela Códex e pelo escritório de comunicação de Lu Fernandes, que depois resolveu formar a Barcarola com o jornalista Jorge Félix).
Kfouri conhece os Estados Unidos -onde viveu-, é meticuloso no levantamento de informações, mantém distanciamento crítico em relação a apologistas e detratores dos réus e dos que os acusaram. Além disso, teve o cuidado de complementar o relato do incidente com capítulos em que o localiza no contexto histórico e cultural da época, sem o que seria impossível compreender sua dimensão.
Embora justificadamente sumários, os textos sobre os anos 50, a Guerra Fria, o macarthismo e o movimento comunista nos EUA ajudam o leitor brasileiro, especialmente o mais jovem, a entender por que o caso Rosenberg teve imenso significado político. Didático, o autor ainda compilou um muito útil apêndice de personagens e instituições.
Apesar de equidistante, Kfouri deixa claro que documentos encontrados após a queda do Muro de Berlim na antiga URSS comprovaram que os Rosenberg integravam uma rede de espionagem nos EUA. Talvez, contudo, pudesse ter dado mais realce às diversas falhas do processo que levou à condenação à morte dos dois.
Na verdade, o método da denúncia contra os Rosenberg seguiu a mesma linha de raciocínio da justificativa oferecida pelo governo Bush para a invasão do Iraque. A decisão de matar o casal Rosenberg havia sido tomada pelo "establishment" americano independentemente da demonstração de sua culpa, assim como a de eliminar Saddam Hussein nada tinha a ver com armas de destruição em massa.
É curioso, aliás, que Bush agora afirme que "não faz diferença" se Saddam tinha as tais armas ou se só planejava tê-las. Os Rosenberg também não foram legalmente incriminados por praticarem espionagem, mas por conspirarem para praticar espionagem. Trata-se da lógica preventiva que embasa a Doutrina Bush: eliminar a ameaça ainda que ela só exista na mente do potencial inimigo.
Se esse raciocínio já é inaceitável em política, é ainda mais escandaloso num sistema jurídico que precisa necessariamente se basear em fatos, evidências, provas, testemunhos incontestáveis para merecer credibilidade.
Os Rosenberg não foram indiciados, como em geral se supõe, por traição, crime punível com a pena capital nos EUA. Eles não foram nem sequer formalmente imputados por roubo de segredos atômicos americanos entregues ao governo soviético.
A condenação se baseou em testemunhos questionáveis, muitos desmentidos depois pelos próprios depoentes. Documentos do governo americanos postos recentemente à disposição do público mostram que o juiz Irving Kaufman mantinha reuniões com a promotoria na ausência da defesa, ato flagrantemente ilegal.
Além disso, Irving Kaufman -como revela outro documento do FBI que deixou de ser considerado secreto há pouco tempo- havia se comprometido a aplicar a pena de morte aos Rosenberg se fossem condenados, e essa posição foi uma das razões principais para a sua escolha para presidir o julgamento.
Assim como os papéis de Verona, descobertos na URSS e citados por Kfouri como elemento definitivo sobre a culpabilidade dos Rosenberg, vários documentos que têm vindo à luz nos EUA provam que seu julgamento foi uma farsa.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"

O Caso Rosenberg
   
Autor: Assef Kfouri
Editora: Códex
Quanto: R$ 40 (324 págs.).


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