São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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Livro
Cultura &CIA

"Quem Pagou a Conta?", da jornalista inglesa Frances Stonor Saunders, revela que nomes como Pollock e Hannah Arendt acabaram se beneficiando da "guerra fria cultural" travada pela CIA com dólares e sofisticação

Jason Reed - 3.mar.2005/Reuters
Faxineiro limpa logo da CIA no hall de entrada da agência de inteligência em Langley, na Virginia

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na luta por corações e mentes durante os anos de Guerra Fria, a Agência Central de Inteligência dos EUA, a CIA, teve um braço armado de dólares para promover o "american way" e cooptar intelectuais e artistas em sua campanha anticomunista. A ação foi investigada ao longo de cinco anos pela jornalista inglesa Frances Stonor Saunders e resultou no livro "Quem Pagou as Contas? A CIA na Guerra Fria da Cultura", originalmente lançado em 1999 pela Granta, e que acaba de chegar às livrarias do Brasil. Saunders conta que o expressionismo abstrato, de artistas como Jackson Pollock, foi a "arte oficial" do período. A jornalista evita, porém, destacar um caso de interferência mais perturbadora: "O envolvimento da CIA na cultura foi uniformemente pernicioso e errado".
Leia a seguir trechos da entrevista que Saunders deu, por e-mail, à Folha.

 

FOLHA - A senhora encontrou muitos obstáculos oficiais para a sua pesquisa?
FRANCES STONOR SAUNDERS -
Meu pedido por documentação na CIA não obteve êxito. O Ato de Liberdade de Informação tem muito pouco efeito quando se trata de extrair material da CIA. Mas outras fontes de arquivo são muito ricas em termos de material da agência, principalmente porque ela trabalhou bem de perto com o setor privado para promover seus programas. Grandes instituições filantrópicas -a Fundação Ford, por exemplo- trabalharam com a CIA fornecendo dutos para seus dólares. E havia muitas fundações testas-de-ferro que, para manter as aparências, mantiveram suas contas e registros. Uma vez que era sabido quais foram criadas pela CIA, foi relativamente fácil inspecionar seus documentos.

FOLHA - Quais eram os objetivos da CIA?
SAUNDERS -
A agência estava tentando promover uma idéia: a "pax" americana era a coisa certa. A cultura, a arte e as idéias americanas eram os lugares onde as liberdades eram expressadas e protegidas. Tudo que tinha a ver com o comunismo era mau, e o antiamericanismo era uma traição dos princípios fundamentais que sustentavam a liberdade de expressão.

FOLHA - O que os "agentes culturais" da CIA fizeram para disfarçar suas verdadeiras intenções?
SAUNDERS -
A CIA disfarçou seu investimento em cultura escondendo-se atrás de uma série de frentes de atuação, sendo a mais bem-sucedida delas o Congress for Cultural Freedom [congresso pela liberdade cultural]. Para tanto, ela confiou a um círculo de intelectuais a proteção de seu segredo e o cultivo de seus investimentos. Mas houve alguns descuidos incrivelmente estúpidos: a operação financeira deixou um rastro de documentos, como fios pendurados na parte anterior de um rádio, e, uma vez que as suspeitas vieram à tona, foi fácil trilhar o caminho do dinheiro que levava à CIA. No meio da década de 60, muita gente sabia de onde o dinheiro vinha. Mas muitas pessoas que estavam recebendo diárias da agência não queriam reconhecer o fato e enfiaram suas cabeças na areia. Elas sabiam, mas não queriam saber. Outras certamente sabiam em detalhes o que estava acontecendo e estavam envolvidas no engano a seus colegas e a seu público. E o legado desse acordo notório ainda está, acredito eu, sendo experimentado.

FOLHA - Entre todas as áreas da cultura, qual a senhora acha que a CIA investiu mais e por quê?
SAUNDERS -
O programa de Guerra Fria cultural era muito abrangente, mas era em grande parte sofisticado e erudito. Ele não investiu muita energia ou dinheiro em cultura popular, mas se concentrou em atividades intelectuais -periódicos, seminários, concertos, exposições de arte- porque ele queria conquistar a elite intelectual e aproximá-la da idéia de que o futuro da liberdade estava indissociavelmente ligado aos valores americanos, ao poder americano.


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