São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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CIA fez campanha contra Nobel para Pablo Neruda

Segundo a autora, área mais "frutífera" para a agência foi a de revistas e livros

Expressionismo abstrato, de artistas como Jackson Pollock, foi a arte oficial da Guerra Fria cultural promovida pela agência

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia abaixo a continuação da entrevista com a jornalista Frances Stonor Saunders.

 

FOLHA - Quais áreas da cultura foram mais "frutíferas" para a CIA?
SAUNDERS -
Provavelmente, o melhor retorno para a agência foram as áreas dos periódicos e livros. A CIA tinha um programa de publicações e revistas bem abrangente e tinha um bom orçamento -com o qual foi possível atrair algumas das melhores mentes da era pós-guerra e dar a essas pessoas a plataforma para transmitir suas idéias. Não é necessário dizer que tais idéias tinham de dizer, em menor ou maior grau, simpáticas aos pagadores da CIA. Pablo Neruda ou Sartre não eram bem-vindos como participantes.

FOLHA - Alguns daqueles artistas não teriam hoje a mesma importância sem a influência da CIA?
SAUNDERS -
É possível questionar a reputação de alguns escritores e artistas à luz do que sabemos sobre o envolvimento da CIA na Guerra Fria cultural. Por outro lado, a agência fez de tudo para prejudicar Pablo Neruda, não apenas por sua visão política mas também como escritor. Ela, em segredo, fez campanha contra a premiação dele com o Nobel. Mas muitos escritores ou pensadores menores de repente se viram tirando proveito de passagens de primeira classe para viajar pelo mundo e fazer palestras tendo uma plataforma fornecida pelo braço secreto do governo americano. Quantos deles estavam destinados a parar nos porões dos sebos de livros?
No meu capítulo sobre o expressionismo abstrato, eu não questiono o valor estético do movimento ou o impacto que ele teve, e continua a ter, na história da arte. Mas mostro como a CIA estava envolvida num cartel cujo principal objetivo era asseverar os méritos do expressionismo abstrato como propaganda da liberdade americana, e isso foi feito em detrimento de outros tipos de arte. O movimento se tornou a arte oficial da Guerra Fria americana, o tipo de arte que os diretores da CIA colocavam na parede de suas salas. Acho importante saber como isso ocorreu.

FOLHA - Pode-se comparar esta política ao que foi feito durante o nazismo e na União Soviética?
SAUNDERS -
O que a CIA fez foi infinitamente mais sofisticado do que fizeram os nazistas ou os soviéticos. Não se tratava de armar estratégias para forçar pessoas a seguir a linha oficial. O que CIA desenvolveu foi uma forma muito sutil de propaganda: o tipo em que as pessoas envolvidas em sua produção, e aquelas envolvidas em seu consumo, sequer sabiam o que é propaganda. Então, nada de agrupamentos de massa, pinturas realistas mostrando trabalhadores brandindo suas ferramentas contra a opressão dos capitalistas.
Pelo contrário, você mostra às pessoas o expressionismo abstrato, que aparentemente não significa nada, e você diz "olhe como somos livres, tão livres que produzimos arte que significa tudo e nada ao mesmo tempo". E o que você obtém é um dispositivo bem inteligente para encorajar a idéia de que a América é a campeã da liberdade, apesar do que esteja acontecendo em seu nome ou sob seus auspícios (o estabelecimento de ditaduras na América Latina, a interferência com esquadrões da morte, tortura etc.).


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