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RODAPÉ LITERÁRIO
A miscelânea sem receita de Leopardi
Estudo enfatiza o caráter precursor do "Zibaldone", clássico da literatura italiana, para a modernidade poética
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
ZABAIONE é o nome de uma
iguaria que consiste no cozimento em banho-maria de gemas de ovo e açúcar, aos quais se adiciona vinho Marsala para obter um
creme espumante que associa leveza e densidade -receita clássica que
mereceria escrutínio à luz de Hervé
This (teórico da "gastronomia molecular") ou das emulsões do chef vanguardista Ferran Adrià. Como tal tarefa cabe melhor a Josimar Melo -o
erudito crítico de gastronomia da
Folha-, limito-me a lembrar que
do termo "zabaione" deriva também o nome de um dos maiores
clássicos da literatura italiana: "Zibaldone di Pensieri", de Giacomo
Leopardi.
Esse livro enigmático -composto por meditações fragmentárias
sobre estética e filologia, associadas a reflexões de pessimismo metafísico- acaba de receber da pesquisadora Andréia Guerini uma
análise abrangente, focada em sua
recepção crítica. Sob o título austero, "Gênero e Tradução no "Zibaldone" de Leopardi", se encontra o
mais importante estudo já realizado no Brasil sobre os problemas colocados pela obra leopardiana.
O poeta enfermiço, que passou
boa parte da vida na cidade de Recanati, mergulhado nos livros da
biblioteca paterna, escreveu sua
"miscelânea de pensamentos"
(uma possível versão para "Zibaldone di Pensieri") entre 1817 e
1832. Sua intenção não era publicar
as anotações, mas entabular um
"colóquio consigo mesmo" cujas
4.500 páginas só viriam a ser conhecidas meio século após a morte
de Leopardi, em 1837, aos 39 anos.
Essa circunstância biobibliográfica, segundo Guerini, acabou
criando uma defasagem interpretativa: quando o "Zibaldone" se
tornou público, as formulações românticas sobre estética já haviam
sido assimiladas, de modo que não
se deu devida atenção à novidade
dos aforismos de Leopardi. Com isso, o "Zibaldone" foi lido sobretudo
como laboratório para a melancolia dos poemas leopardianos (dentre os quais está "O Infinito", célebre síntese em 15 versos de sua
poética), pondo-se a perder o sistema estético contido nessa prosa assistemática.
Andréia Guerini faz uma análise
minuciosa daquilo que escreveram
sobre ele humanistas como De
Sanctis e Sainte-Beuve, críticos como René Wellek e, no Brasil, Otto
Maria Carpeaux ou Marco Lucchesi. Contrastando sua teoria dos gêneros com as de Aristóteles e Benedetto Croce, ela mostra como Leopardi antecipa a modernidade ao
colocar a lírica (descartada pelas
classificações mais antigas) como
gênero seminal, mas não deixa de
notar que falta nesse monumento
uma reflexão sobre sua própria estrutura -que, a exemplo dos "Pensamentos" de Pascal e dos "Cahiers" de Paul Valéry, excede qualquer receita literária.
GÊNERO E TRADUÇÃO NO "ZIBALDONE" DE LEOPARDI
Autora: Andréia Guerini
Editora: Edusp
Quanto: R$ 25 (176 págs.)
Avaliação: bom
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