São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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RODAPÉ LITERÁRIO

A miscelânea sem receita de Leopardi

Estudo enfatiza o caráter precursor do "Zibaldone", clássico da literatura italiana, para a modernidade poética

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

ZABAIONE é o nome de uma iguaria que consiste no cozimento em banho-maria de gemas de ovo e açúcar, aos quais se adiciona vinho Marsala para obter um creme espumante que associa leveza e densidade -receita clássica que mereceria escrutínio à luz de Hervé This (teórico da "gastronomia molecular") ou das emulsões do chef vanguardista Ferran Adrià. Como tal tarefa cabe melhor a Josimar Melo -o erudito crítico de gastronomia da Folha-, limito-me a lembrar que do termo "zabaione" deriva também o nome de um dos maiores clássicos da literatura italiana: "Zibaldone di Pensieri", de Giacomo Leopardi.
Esse livro enigmático -composto por meditações fragmentárias sobre estética e filologia, associadas a reflexões de pessimismo metafísico- acaba de receber da pesquisadora Andréia Guerini uma análise abrangente, focada em sua recepção crítica. Sob o título austero, "Gênero e Tradução no "Zibaldone" de Leopardi", se encontra o mais importante estudo já realizado no Brasil sobre os problemas colocados pela obra leopardiana.
O poeta enfermiço, que passou boa parte da vida na cidade de Recanati, mergulhado nos livros da biblioteca paterna, escreveu sua "miscelânea de pensamentos" (uma possível versão para "Zibaldone di Pensieri") entre 1817 e 1832. Sua intenção não era publicar as anotações, mas entabular um "colóquio consigo mesmo" cujas 4.500 páginas só viriam a ser conhecidas meio século após a morte de Leopardi, em 1837, aos 39 anos.
Essa circunstância biobibliográfica, segundo Guerini, acabou criando uma defasagem interpretativa: quando o "Zibaldone" se tornou público, as formulações românticas sobre estética já haviam sido assimiladas, de modo que não se deu devida atenção à novidade dos aforismos de Leopardi. Com isso, o "Zibaldone" foi lido sobretudo como laboratório para a melancolia dos poemas leopardianos (dentre os quais está "O Infinito", célebre síntese em 15 versos de sua poética), pondo-se a perder o sistema estético contido nessa prosa assistemática.
Andréia Guerini faz uma análise minuciosa daquilo que escreveram sobre ele humanistas como De Sanctis e Sainte-Beuve, críticos como René Wellek e, no Brasil, Otto Maria Carpeaux ou Marco Lucchesi. Contrastando sua teoria dos gêneros com as de Aristóteles e Benedetto Croce, ela mostra como Leopardi antecipa a modernidade ao colocar a lírica (descartada pelas classificações mais antigas) como gênero seminal, mas não deixa de notar que falta nesse monumento uma reflexão sobre sua própria estrutura -que, a exemplo dos "Pensamentos" de Pascal e dos "Cahiers" de Paul Valéry, excede qualquer receita literária.


GÊNERO E TRADUÇÃO NO "ZIBALDONE" DE LEOPARDI
Autora:
Andréia Guerini
Editora: Edusp
Quanto: R$ 25 (176 págs.)
Avaliação: bom


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