São Paulo, quarta, 26 de fevereiro de 1997.

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NETVOX
Mais fundo na Internet

MARIA ERCILIA
do Universo Online

Os tecnófilos adoram dizer que o livro acabou, mas o fato é que nunca se escreveu tanto sobre tecnologia -livros mesmo, de papel, com lombadas, orelhas e noites de autógrafos.
É toda uma safra de livros ruins, mal-acabados e mal-ajambrados. Sejam profecias mirabolantes, como "A Vida Digital", de Negroponte, ou romancinhos de ocasião como "Micro-servos", de Douglas Coupland, a maioria cheira a oportunismo e envelhece mal.
Não é o caso de "Deeper" (Mais fundo), da Simon & Schuster. Seu autor, John Seabrook, fez de seus passeios na Internet uma boa e sólida narrativa, não uma cacofonia de promessas e terrores.
Seabrook é repórter da revista "New Yorker". Em 95, escreveu um artigo que marcou sua iniciação no cyberspace. "E-mail com Bill" conta sua troca de mensagens com Bill Gates. Naquele texto já aparecia o personagem adotado por ele em "Deeper": alguém com quem o leitor se identifica facilmente, cheio de emoção com o primeiro e-mail, a imaginar possibilidades ilimitadas para a Internet.
O artigo também marcou a primeira incursão da "New Yorker", revista séria e conservadora, no mundo da Internet. Em "Deeper", Seabrook completa o percurso que começou com "E-mail com Bill". Passa por uma série de iniciações no reino da Internet. Experimenta -de leve- o sexo on line, disfarçado de mulher. Sua personagem se chama Bambi e às vezes vira um veado -o animal. Torna-se anfitrião de um grupo de discussão sobre literatura. Faz sua home page. No percurso da inocência à experiência, fica cada vez mais à vontade com a tecnologia e desiludido com a aventura.
Seabrook tem um bom e sólido texto de revista. Teve a sutileza de se colocar no lugar daquele que usa o computador -acompanhando os movimentos de surpresa, de decepção, de enfado etc. Sua história poderia ser a de qualquer um, sozinho, a queimar a vista diante do monitor.
Sua página fica em http://www.levity.com/seabrook/. Existem outras, "escondidas": http://www.levity.com/seabrook/revindex.html, http://levity.com/seabrook/homenet.html.
"The First US$ 20 Million Are the Hardest" (Os primeiros US$ 20 milhões são os mais difíceis") é praticamente o oposto de "Deeper". Seu autor, Po Bronson, escreve num estilo vertiginoso de best seller. É uma espécie de "roman à clef" do Silicon Valley. Um personagem lembra Jim Clark, fundador da Netscape. Outro é a cara de James Gosling, criador do Java. O protagonista tem um quê de Steve Jobs.
A história gira em torno de engenheiros envolvidos no projeto de um computador, o VWPC (PC-Fusca).
O romance é médio, mais para ruim, mas Bronson consegue captar a mistura de idealismo e venalidade que caracteriza o ambiente da indústria da computação norte-americana, em que sonhos de garotos são submetidos a uma alquimia brutal. Sua metáfora preferida é o loop infinito -o que acontece quando um computador se põe a repetir as mesmas instruções e "trava".
A página de Bronson no http://members.aol.com/pobronson/hardest.htm.
Jam
Foi ontem o "show" de Paulinho da Viola e Sérgio Reis. Via Internet, com Real Audio. Confira no http://www.artbr.com.br.

E-mail: netvox@uol.com.br

"Eu passei horas demais em amargas discussões com furiosos antagonistas, quando num encontro face a face teríamos resolvido nossas diferenças em cinco minutos, para acreditar ainda em promessas utópicas de tecnologia. Qualquer que seja a capacidade deste meio de reunir as pessoas, ele tem uma igual capacidade de abrir abismos entre elas." (...)

"Afinal, não interessa se o mundo on line representa progresso ou não. O gigantesco cérebro eletrônico, meio humano, meio máquina, cresce e cresce. Mesmo Bill Gates é sua marionete. Não tem nenhum propósito moral que eu consiga discernir mas, como eu, muitos serão incapazes de recusá-lo, assim você pode muito bem avançar confiantemente e esperançosamente na única direção que faz sentido: mais fundo. Não é progresso, mas é movimento."
Trechos de "Deeper".


TRECHOS
"Aquilo era outra coisa. Eles odiavam ter que traduzir seu trabalho em metáforas aguadas para a turma dos sapatos engraxados -os advogados fuxiqueiros, os escribas da mídia, os patrocinadores em potencial que apareciam querendo "entender" sem fazer o trabalho duro de prestar atenção. Esta era apenas mais uma razão para Francis Benoit estar feliz de trabalhar no La Honda Research Center e não em alguma empresa nova, porque (...) trabalhar numa empresa nova significava passar 80% do tempo fazendo merda -indo atrás de capital de risco, escrevendo documentação, contratando gente. E as reuniões! Participar daquele jogo seria um desperdício de talento concedido por Deus, seria um crime contra sua própria natureza."
Trecho de ``The First US$ 20 Million are the Hardest''


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