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TELEVISÃO
Com Jece Valadão, "Filhos do Carnaval" tem direção de Cao Hamburger e estréia no próximo domingo na HBO
Série mostra drama de um velho bicheiro
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"É proibido filmar bundas!" A
frase, bem esquisita de ler nesses
dias de samba, é do cineasta Cao
Hamburger. Dita em tom de brincadeira, simboliza o norte que ele
escolheu para dirigir a série "Filhos do Carnaval", que estréia no
próximo domingo, às 22h, na
HBO (o primeiro dos seis episódios é aberto a todos os assinantes
das principais operadoras de TV).
Essa é a segunda produção brasileira do canal norte-americano
(a primeira foi "Mandrake"), com
transmissão no Brasil e na América Latina. O tema foi definido pelos executivos da HBO, com a clara intenção de atrair o interesse
internacional, já que há planos de
exibição também nos EUA.
Hamburger, que é mentor do
"Castelo Rá-Tim-Bum" e nunca
havia feito uma obra "adulta", foi
convidado a dirigir "Filhos do
Carnaval" pela O2 Filmes (produtora do cineasta Fernando Meirelles, de "Cidade de Deus", associada à HBO nesse trabalho). Nas
mãos, tinha apenas o tema determinado pelos "gringos" e gelou.
Como fazer disso algo não estereotipado, diferente de clipes turísticos com mulatas e praias?
Ele e a roteirista Elena Soarez
("Casa de Areia") arrumaram
uma solução: criar uma família de
bicheiros, dona de uma escola de
samba. Aí a quadra, os ensaios, as
mulatas, tudo vira cenário, pano
de fundo para o drama familiar.
Mas sem bunda, que isso continue bem claro -ao menos nos
dois primeiros episódios, apresentados à imprensa na semana
passada, a ordem foi cumprida.
Filho do homem
E "Carnaval" ficou assim: um
velho bicheiro tem quatro filhos,
dois oficiais e dois bastardos. O
primogênito, que cuidava dos negócios, se mata, e os outros três
passam a disputar um lugar na
"empresa" e no coração do pai.
O patriarca, Anésio Gerbara, é
interpretado por Jece Valadão,
106 filmes nas costas, pelas suas
contas. Na entrevista coletiva,
uma jornalista pergunta se é o primeiro bicheiro de sua carreira.
"Se eu já fiz algum bicheiro? Acho
que eu só fiz bicheiro em toda a
minha vida", comenta, soberano,
cercado pelos atores-filhos.
Aos 75, Valadão é o Don Corleone de "Carnaval". Deprimido
com a morte do filho Anesinho
(Felipe Camargo), quase falido
nos negócios, torna-se mais avô
do que mafioso e passa os dias a
mirar a praia de Copacabana do
janelão de seu apartamento.
Enquanto isso, os Gerbara moços lutam para demarcar o território do crime. Claudinho (Enrique Diaz), o segundo e agora único reconhecido em cartório, tem
tudo para ser um rapaz do bem.
Casado, pai de um garotinho, morava em Campinas (interior de
SP), onde "apenas" lavava o dinheiro da família. Agora insiste
em assumir o "front" e quer fazer
do caos nos negócios deixado pelo irmão mais velho um crime
realmente organizado. Vira chacota ao levar um computador
portátil numa reunião da "empresa" na quadra da escola de samba.
Fica por conta dele boa parte da
cota cômica dessa série trágica.
"Reality show"
Uma das boas surpresas de
"Carnaval" é Thogum, que nunca
havia sido ator e ganhou o papel
central da série. Apesar de Valadão ser o patriarca, o estreante foi
escolhido para narrar toda a história. Ele é Nilo, fiel segurança do
bicheiro e seu filho bastardo.
Personagem de poucas palavras, costura os episódios com
olhares e pensamentos. Negro, alto e forte, tinha o físico ideal para
a missão, isso sem falar que sabia
exatamente como um guarda-costas deve se portar: "Já fui segurança de bicheiro, puteiro, termas
femininas, masculinas, de tudo o
que você pode imaginar. E sempre fui um cara de desenrolar
uma idéia, de não partir para a
violência, do mesmo jeito que faço na série", disse Thogum, na entrevista coletiva em que ele se
transformou num show à parte.
Um jornalista quer saber como
foi a preparação para atuar em
"Carnaval". "Cara, o legal mesmo
foi aprender a chorar", responde,
à vontade na cadeira de astro.
Hamburger o descobriu quando assistiu ao documentário "Fala
Tu", sobre jovens da periferia carioca que tentam ganhar a vida
como rappers.
O quarto filho é Brown (Rodrigo dos Santos), mestre de bateria,
revoltado, louco por um baseado.
"Carnaval" custou R$ 6,5 milhões e utilizou verba do artigo 39
da Agência Nacional do Cinema,
de incentivo fiscal a canais estrangeiros que investem em produção
nacional. Pena que a HBO seja só
para os filhos ricos do Carnaval.
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