São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 2006

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CRÍTICA

Olhar dribla os chavões carnavalescos

SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No crepúsculo da vida, um monarca escolhe o príncipe mais velho (e também o mais querido) para sucedê-lo, mas o destino lhe prega uma peça e ele precisa optar entre os três outros herdeiros, dos quais dois são bastardos. O problema, no fundo, é que nenhum parece talhado para o exercício do poder. Como se não fosse o bastante, o fantasma da morte começa a rondá-lo e ele se descobre, como qualquer mortal, despreparado para enfrentar, ou mesmo admitir, o fim.
Esse modelo de intriga palaciana, trabalhado à exaustão por Shakespeare, já foi traduzido por Francis Coppola em "O Poderoso Chefão". É também o que ajuda a sustentar a dramaticidade e a amargura de "Filhos do Carnaval". Os dois primeiros episódios apresentam o reino do bicheiro e sambista Anésio (Jece Valadão), às voltas com turbulências internas e externas. Seu aniversário, pretexto usado no início para reunir a família, o deixa especialmente irritadiço e desolado.
Pudera: centralizador e auto-suficiente, tem dificuldades em admitir que o mundo foge ao seu controle e desrespeita seus desejos. Da poltrona imperial em que contempla o mar, já demonstra os sinais de quem está prestes a entregar os pontos. Costurado com equilíbrio entre o drama e o humor, esse personagem triste, algo trágico, é também motivo de galhofa, graças ao carisma rabugento que Valadão lhe empresta.
Shakespeare na Baía de Guanabara só poderia mesmo terminar em algo zombeteiro, como reforçam as relações entre os irmãos. Claudinho (Enrique Diaz), Brown (Rodrigo dos Santos) e Nilo (Thogun) terminam o segundo episódio como quem reconhece os próprios defeitos e aprende a se divertir com eles.
Produto de circulação internacional com Carnaval no título e o Rio como cenário, a nova série da HBO resiste bravamente à tentação de abrir a caixa de lugares-comuns sobre a ginga e o remelexo. Estão lá o samba, o jogo do bicho, a praia e a irreverência, mas o olhar procura driblar os chavões.
Não significa, ao menos nos dois primeiros episódios, que a série consiga fugir sempre das armadilhas que o próprio argumento espalha pelo caminho. Tudo bem, ninguém é perfeito -eis o ponto que Anésio, o insolente rei Lear carioca de "Filhos do Carnaval", provavelmente aprenderá.


Filhos do Carnaval
   
Quando:
a partir do próximo domingo, dia 5, às 22h, na HBO


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