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CRÍTICA
Olhar dribla os chavões carnavalescos
SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No crepúsculo da vida, um
monarca escolhe o príncipe
mais velho (e também o mais
querido) para sucedê-lo, mas o
destino lhe prega uma peça e ele
precisa optar entre os três outros
herdeiros, dos quais dois são bastardos. O problema, no fundo, é
que nenhum parece talhado para
o exercício do poder. Como se
não fosse o bastante, o fantasma
da morte começa a rondá-lo e ele
se descobre, como qualquer mortal, despreparado para enfrentar,
ou mesmo admitir, o fim.
Esse modelo de intriga palaciana, trabalhado à exaustão por
Shakespeare, já foi traduzido por
Francis Coppola em "O Poderoso
Chefão". É também o que ajuda a
sustentar a dramaticidade e a
amargura de "Filhos do Carnaval". Os dois primeiros episódios
apresentam o reino do bicheiro e
sambista Anésio (Jece Valadão),
às voltas com turbulências internas e externas. Seu aniversário,
pretexto usado no início para reunir a família, o deixa especialmente irritadiço e desolado.
Pudera: centralizador e auto-suficiente, tem dificuldades em admitir que o mundo foge ao seu
controle e desrespeita seus desejos. Da poltrona imperial em que
contempla o mar, já demonstra os
sinais de quem está prestes a entregar os pontos. Costurado com
equilíbrio entre o drama e o humor, esse personagem triste, algo
trágico, é também motivo de galhofa, graças ao carisma rabugento que Valadão lhe empresta.
Shakespeare na Baía de Guanabara só poderia mesmo terminar
em algo zombeteiro, como reforçam as relações entre os irmãos.
Claudinho (Enrique Diaz), Brown
(Rodrigo dos Santos) e Nilo (Thogun) terminam o segundo episódio como quem reconhece os
próprios defeitos e aprende a se
divertir com eles.
Produto de circulação internacional com Carnaval no título e o
Rio como cenário, a nova série da
HBO resiste bravamente à tentação de abrir a caixa de lugares-comuns sobre a ginga e o remelexo.
Estão lá o samba, o jogo do bicho,
a praia e a irreverência, mas o
olhar procura driblar os chavões.
Não significa, ao menos nos
dois primeiros episódios, que a
série consiga fugir sempre das armadilhas que o próprio argumento espalha pelo caminho. Tudo
bem, ninguém é perfeito -eis o
ponto que Anésio, o insolente rei
Lear carioca de "Filhos do Carnaval", provavelmente aprenderá.
Filhos do Carnaval
Quando: a partir do próximo domingo,
dia 5, às 22h, na HBO
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