São Paulo, sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

"BBB" traz nova luta de classes

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Cenas de sexo? Bundas de mulheres gostosas? Quem se importa. O "BBB" de 2010 coroa a correção política e a orientação sexual dos participantes como o fator mais importante da trama. Nunca uma edição do programa teve tanta repercussão. Na internet e nas ruas, uma briga de torcedores fanáticos está armada. No centro do ringue, uma batalha entre heterossexuais e gays. Homofóbicos e simpatizantes.
A estrela é o lutador Marcelo Dourado, amado e odiado por dizer "tudo o que pensa". Entre outras coisas, que heterossexuais têm menos chances de pegar Aids. Suas declarações ganharam o mundo depois do paredão de terça. Dourado corria o risco de sair. Mas o público quis que ele ficasse. Como assim? Alguém diz isso e não sai?
O fato causou revolta e ganhou o mundo. A revista americana "Advocate" denunciou o ocorrido e até o cantor Boy George entrou na briga, pedindo no Twitter que os brasileiros tirassem o sujeito do programa.
Dourado chegou lá. Ficou famoso internacionalmente. Ele é o primeiro participante do "BBB" a alcançar (má) fama fora do país. Mas ele não conseguiu tal feito sozinho. O que está em jogo não são apenas declarações inconsequentes, mas uma luta de classes entre estereótipos: os héteros sexistas (representados por homens fortes e mulheres gostosas) e os gays (representados como fofoqueiros ou fúteis).
O principal oponente de Dourado é Dicesar, conhecido em São Paulo como a drag queen Dimmy Kieer. Os dois jamais se encontrariam na vida real. Dentro da casa, eles podem não se bicar, mas estão com tudo. O embate entre o macho jiu-jítsu e a drag foi capaz de desviar os olhares dos telespectadores da presença na casa da lésbica Angélica, a Morango (que disputou o paredão com os dois e foi mandada embora pela audiência depois de bater de frente com Dourado). O público não fez questão de ver uma menina bonita e divertida flertar com uma gata (existe fetiche maior?).
Provavelmente não, pois a audiência deixou a tara de lado e preferiu assistir a uma briga entre dois homens cheios de força. Dourado é forte (literalmente) devido aos treinos em uma academia. Mas também tem suas idiossincrasias. Nasceu no exílio. E sua mãe, ex-militante contra a ditadura militar, disse que seu filho aprendeu luta porque antes dançava balé e era perseguido na escola.
Seu oponente também deve ter sido perseguido no colégio. Mas, hoje, tem com ele a força do movimento gay. E também o simples fato de gostar de namorar homens. Sim, porque no "BBB" da correção política, qualquer olhar enviesado vira acusação. "Se você não gosta de mim, é porque eu sou gay." Assim, o programa acaba reforçando o preconceito. É como se a orientação sexual trouxesse imunidade, não só para se livrar do paredão mas também de discussões.
O "BBB" da diversidade aposta pesado nesses e em outros estereótipos. A TV Globo é diversa até certo ponto. Afinal, as bundas (duras) continuam a reinar no programa. Mulher gorda? Feia? Velha? Não existe. Mas quem se importa com isso quando uma briga entre um macho e uma drag pode explodir? Pelo jeito, ninguém.


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