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ANÁLISE
"BBB" traz nova luta de classes
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
Cenas de sexo? Bundas de
mulheres gostosas? Quem se
importa. O "BBB" de 2010 coroa a correção política e a
orientação sexual dos participantes como o fator mais importante da trama. Nunca uma
edição do programa teve tanta
repercussão. Na internet e nas
ruas, uma briga de torcedores
fanáticos está armada. No centro do ringue, uma batalha entre heterossexuais e gays. Homofóbicos e simpatizantes.
A estrela é o lutador Marcelo
Dourado, amado e odiado por
dizer "tudo o que pensa". Entre
outras coisas, que heterossexuais têm menos chances de
pegar Aids. Suas declarações
ganharam o mundo depois do
paredão de terça. Dourado corria o risco de sair. Mas o público
quis que ele ficasse. Como assim? Alguém diz isso e não sai?
O fato causou revolta e ganhou o mundo. A revista americana "Advocate" denunciou o
ocorrido e até o cantor Boy
George entrou na briga, pedindo no Twitter que os brasileiros
tirassem o sujeito do programa.
Dourado chegou lá. Ficou famoso internacionalmente. Ele
é o primeiro participante do
"BBB" a alcançar (má) fama fora do país. Mas ele não conseguiu tal feito sozinho. O que está em jogo não são apenas declarações inconsequentes, mas
uma luta de classes entre estereótipos: os héteros sexistas
(representados por homens
fortes e mulheres gostosas) e os
gays (representados como fofoqueiros ou fúteis).
O principal oponente de
Dourado é Dicesar, conhecido
em São Paulo como a drag
queen Dimmy Kieer. Os dois jamais se encontrariam na vida
real. Dentro da casa, eles podem não se bicar, mas estão
com tudo. O embate entre o
macho jiu-jítsu e a drag foi capaz de desviar os olhares dos
telespectadores da presença na
casa da lésbica Angélica, a Morango (que disputou o paredão
com os dois e foi mandada embora pela audiência depois de
bater de frente com Dourado).
O público não fez questão de
ver uma menina bonita e divertida flertar com uma gata (existe fetiche maior?).
Provavelmente não, pois a
audiência deixou a tara de lado
e preferiu assistir a uma briga
entre dois homens cheios de
força. Dourado é forte (literalmente) devido aos treinos em
uma academia. Mas também
tem suas idiossincrasias. Nasceu no exílio. E sua mãe, ex-militante contra a ditadura militar, disse que seu filho aprendeu luta porque antes dançava
balé e era perseguido na escola.
Seu oponente também deve
ter sido perseguido no colégio.
Mas, hoje, tem com ele a força
do movimento gay. E também o
simples fato de gostar de namorar homens. Sim, porque no
"BBB" da correção política,
qualquer olhar enviesado vira
acusação. "Se você não gosta de
mim, é porque eu sou gay." Assim, o programa acaba reforçando o preconceito. É como se
a orientação sexual trouxesse
imunidade, não só para se livrar
do paredão mas também de discussões.
O "BBB" da diversidade
aposta pesado nesses e em outros estereótipos. A TV Globo é
diversa até certo ponto. Afinal,
as bundas (duras) continuam a
reinar no programa. Mulher
gorda? Feia? Velha? Não existe.
Mas quem se importa com isso
quando uma briga entre um
macho e uma drag pode explodir? Pelo jeito, ninguém.
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