São Paulo, sábado, 26 de março de 2005

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TELEVISÃO

Épico religioso dirigido por Mel Gibson será exibido hoje e amanhã no Telecine Premium, em versão sem cortes

Horror de "A Paixão de Cristo" chega à TV

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

As cenas de tortura e sanguinolência apresentadas no trailer de "A Paixão de Cristo" foram suficientes para afastar muita gente do cinema, quando o filme de Mel Gibson estreou no ano passado.
Agora vai ser mais difícil escapar. O mais descompromissado zapping pela TV a cabo poderá resultar, a partir deste fim de semana, na experiência impactante de ver um corpo humano sendo retalhado a golpes de chicote com ganchos de metal nas pontas.
O épico vai ser exibido pelo Telecine Premium hoje, às 21h, com reprises marcados para amanhã às 16h30 e 22h30. Domingo, às 16h30? Era o horário clássico da sessão da tarde. No Brasil, o filme foi liberado para maiores de 14 anos. Nos EUA, o filme recebeu classificação R (Restricted): quem tiver menos de 17 anos precisa estar acompanhado de um adulto para entrar no cinema.
Uma nova versão do filme, com seis minutos de cortes, foi lançada neste mês, na esperança de baixar o limite de idade nos Estados Unidos. No site, Mel Gibson afirmou que, sem atingir a integridade da obra, resolveu "aliviar alguns dos seus aspectos horríficos".
Na Inglaterra, essa versão acabou sendo aceita para maiores de 15 anos; nos Estados Unidos, a classificação R foi mantida. No Brasil, a versão anunciada pela Telecine é a original, sem cortes, com 126 minutos.
"Horrific", diz Mel Gibson no site. Um adjetivo desses poupa o trabalho do crítico. Desde as cenas iniciais, na noite no jardim das oliveiras, o espírito é o de um filme de terror: brumas entre árvores aziagas, sons de corvos, música de suspense.
Ao longo do filme, o terror se torna mais explícito e físico. Crianças perseguindo Judas se tornam demônios dignos de algum "A Hora do Pesadelo". Logo estaremos diante de um massacre só suportável para quem se acostumou a cenas de serra elétrica e trucidamento entre gladiadores.
Como fazer que o sofrimento de Cristo seja mais significativo do que aquele do pequeno casal de adolescentes que é vitimado num acampamento por algum tipo de bicho-papão com garras de aço? A resposta é: intensificando ainda mais todo o sofrimento da vítima. Isso, embora improvável, é sempre possível de fazer. O horror maior, como se sabe, é a cena da flagelação, que exigiu muita criatividade dos técnicos nesse tipo de coisa. Ao mesmo tempo, torna-se necessário -com cenas em câmera lenta e música inspiradora- espiritualizar a narrativa, dotá-la de transcendência, o que se consegue com a solenidade meio zumbi, meio coreográfica, dos personagens.
Na interminável caminhada do Calvário, a série de quedas e sofrimentos enfrentada por Jesus tende a ser vista com mais distância, e talvez mais tédio, na tela pequena do que no cinema. O filme tem de proceder por acumulação, com um Cristo de olho roxo (Jim Caviezel) que parece mais obstinado em seu silêncio inexplicável do que banhado em suavidade salvífica.
Difícil saber quem irá suportar, dentro de casa, a visão do martírio até o final. A obscena violência do cinemão americano, agora com a açucarada cobertura de uma música místico-eletrônica, atinge em "A Paixão de Cristo" um recorde espantoso -e, sabemos, provisório - a pretexto de elevação religiosa.
Para quem em geral passa a Páscoa se empanturrando de chocolate, não deixa de ser uma penitência.


A Paixão de Cristo (2004)
The Passion of the Christ
 
Direção: Mel Gibson
Com: Jim Caviezel, Maia Morgenstern, Monica Bellucci
Quando: hoje, às 21h; e amanhã, às 16h30 e 22h30, no Telecine Premium



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