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TELEVISÃO
Épico religioso dirigido por Mel Gibson será exibido hoje e amanhã no Telecine Premium, em versão sem cortes
Horror de "A Paixão de Cristo" chega à TV
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
As cenas de tortura e sanguinolência apresentadas no
trailer de "A Paixão de Cristo" foram suficientes para afastar muita
gente do cinema, quando o filme
de Mel Gibson estreou no ano
passado.
Agora vai ser mais difícil escapar. O mais descompromissado
zapping pela TV a cabo poderá resultar, a partir deste fim de semana, na experiência impactante de
ver um corpo humano sendo retalhado a golpes de chicote com
ganchos de metal nas pontas.
O épico vai ser exibido pelo Telecine Premium hoje, às 21h, com
reprises marcados para amanhã
às 16h30 e 22h30. Domingo, às
16h30? Era o horário clássico da
sessão da tarde. No Brasil, o filme
foi liberado para maiores de 14
anos. Nos EUA, o filme recebeu
classificação R (Restricted): quem
tiver menos de 17 anos precisa estar acompanhado de um adulto
para entrar no cinema.
Uma nova versão do filme, com
seis minutos de cortes, foi lançada
neste mês, na esperança de baixar
o limite de idade nos Estados Unidos. No site, Mel Gibson afirmou
que, sem atingir a integridade da
obra, resolveu "aliviar alguns dos
seus aspectos horríficos".
Na Inglaterra, essa versão acabou sendo aceita para maiores de
15 anos; nos Estados Unidos, a
classificação R foi mantida. No
Brasil, a versão anunciada pela
Telecine é a original, sem cortes,
com 126 minutos.
"Horrific", diz Mel Gibson no
site. Um adjetivo desses poupa o
trabalho do crítico. Desde as cenas iniciais, na noite no jardim
das oliveiras, o espírito é o de um
filme de terror: brumas entre árvores aziagas, sons de corvos, música de suspense.
Ao longo do filme, o terror se
torna mais explícito e físico.
Crianças perseguindo Judas se
tornam demônios dignos de algum "A Hora do Pesadelo". Logo
estaremos diante de um massacre
só suportável para quem se acostumou a cenas de serra elétrica e
trucidamento entre gladiadores.
Como fazer que o sofrimento de
Cristo seja mais significativo do
que aquele do pequeno casal de
adolescentes que é vitimado num
acampamento por algum tipo de
bicho-papão com garras de aço?
A resposta é: intensificando ainda
mais todo o sofrimento da vítima.
Isso, embora improvável, é sempre possível de fazer. O horror
maior, como se sabe, é a cena da
flagelação, que exigiu muita criatividade dos técnicos nesse tipo de
coisa. Ao mesmo tempo, torna-se
necessário -com cenas em câmera lenta e música inspiradora- espiritualizar a narrativa,
dotá-la de transcendência, o que
se consegue com a solenidade
meio zumbi, meio coreográfica,
dos personagens.
Na interminável caminhada do
Calvário, a série de quedas e sofrimentos enfrentada por Jesus tende a ser vista com mais distância,
e talvez mais tédio, na tela pequena do que no cinema. O filme tem
de proceder por acumulação,
com um Cristo de olho roxo (Jim
Caviezel) que parece mais obstinado em seu silêncio inexplicável
do que banhado em suavidade
salvífica.
Difícil saber quem irá suportar,
dentro de casa, a visão do martírio
até o final. A obscena violência do
cinemão americano, agora com a
açucarada cobertura de uma música místico-eletrônica, atinge em
"A Paixão de Cristo" um recorde
espantoso -e, sabemos, provisório - a pretexto de elevação religiosa.
Para quem em geral passa a Páscoa se empanturrando de chocolate, não deixa de ser uma penitência.
A Paixão de Cristo (2004)
The Passion of the Christ
Direção: Mel Gibson
Com: Jim Caviezel, Maia Morgenstern,
Monica Bellucci
Quando: hoje, às 21h; e amanhã, às
16h30 e 22h30, no Telecine Premium
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