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Latão desfia
a saga de
Joana D'Arc
ERIKA SALLUM
enviada especial a Curitiba
Chicago, anos 30. A indústria de
carne enlatada atravessa enorme
crise e os trabalhadores passam
fome. A favor deles, surge a religiosa Joana D'Arc. Do lado dos
bois, mortos em nome do capitalismo selvagem, está o magnata
Pedro Paulo Bocarra, o rei dos frigoríficos.
Amanhã, às 21h30, o 7º Festival
de Teatro de Curitiba recebe a peça "A Santa Joana dos Matadouros", escrita por um dos mais importantes dramaturgos do planeta, o alemão Bertolt Brecht
(1898-1956).
Produzido entre 1929 e 1931, o
texto ganhou montagem da paulistana Companhia do Latão (de
"Ensaio para Danton") e direção
de Sérgio de Carvalho e Márcio
Marciano.
O espetáculo desfia a trajetória
de Joana, integrante do exército
dos Boinas Pretas, entidade que
ajuda o faminto proletariado.
Ela acaba se tornando uma espécie de ponte entre os empregados e
os patrões.
Na outra ponta da história, aparece Bocarra, dono de matadouros
que pretende largar os negócios,
pois afirma sentir pena dos vitelos,
futuras latas de carne.
"Lembra-te, ó Cridle, aquele vitelo/ Que virava o olho claro,
grande e obtuso para o céu/ Enquanto entrava na faca? Senti como se fosse carne/ Da minha carne", diz ele, logo no início da trama.
Apesar da poeticidade, Brecht
criou uma obra cruel, em que
mostra as "descidas de Joana às
profundezas" -como são intituladas certas cenas-, até chegar a
sua plena destruição.
Ensinamento
"A peça tem uma pedagogia clara: uma alma boa como a da Joana, se continuar sendo conciliadora, vai cair até o fim. Por isso, ela
gera um incômodo no público,
que fica com um nó na garganta, e
isso é muito legal", define Carvalho, 31.
Outro tema importantíssimo
nesse trabalho de Brecht é a luta de
classes: "Pode parecer antigo, datado, mas é um assunto que nos
interessa e que não está superado
de jeito nenhum. E que raras vezes
foi discutido no teatro."
Editado pela Paz e Terra, o texto
tem tradução, no Brasil, de Roberto Schwarz, que foi chamado pelo
grupo para fazer leituras da obra.
"A primeira leitura foi tão bem
que resolvemos fazer outras. Após
convite do Sesc para participar de
um evento em comemoração do
centenário de nascimento do
Brecht, decidimos montar "Santa
Joana'."
O espetáculo fez pré-estréias no
início do mês, no interior de São
Paulo, o que já deu aos diretores a
oportunidade de ver como a platéia reage às artimanhas de Bocarra e à bondade de Joana.
"Os espectadores riem do Bocarra, mas, lá pelas tantas, eles percebem que esse riso é um pouco indecente, pois nasce das canalhices
desse personagem."
Oito atores se revezarão nos vários papéis da peça. No palco, objetos pendurados em ganchos, como carnes nos frigoríficos, dois
bancos e duas escadas. Tudo muito simples, poucos adereços.
"Se há uma nevasca, estendemos
um lençol branco. A peça é muito
narrada, a imaginação do público
preenche os buracos, não damos
nada mastigado a ele", explica
Marciano, 35.
"A Santa Joana dos Matadouros"
faz parte de um projeto da Companhia do Latão batizado de "Pesquisa em Teatro Dialético". Além
do espetáculo e de leituras dramáticas, inclui também a revista trimestral "Vintém".
"A gente pesquisa assuntos contemporâneos. Nós nos propusemos estudar Brecht não de uma
forma teórica, mas lendo trabalhos dele e partindo para a sala de
ensaio", afirma Carvalho.
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