São Paulo, quinta, 26 de março de 1998

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CRÍTICA
Falta "ridículo" a "Ivanov"

do enviado a Curitiba

Começou quando Sasha, a amante tornada noiva de Ivanov, vira-se para ele e passa a dizer, "você está arruinado" etc. Era uma cena melodramática, mas o público riu. Um riso incontinente, deslocado, chato. Mais à frente, "você é um canalha!" e mais risadas. Ivanov se suicida, no fim da apresentação, e o público ri à larga.
Tudo bem que "Ivanov" seja uma peça menor, no entender do próprio autor, o russo Anton Tchecov, que a escreveu "por acaso" em apenas duas semanas. Mas a reação absurda no final da apresentação de estréia, anteontem no Festival de Curitiba, aponta problemas na montagem.
O texto, na verdade, pode ser imperfeito, mas é cortante em seu retrato do estado tchecoviano que o crítico Robert Brustein qualificou de "tedium vitae".
São personagens amesquinhados da Rússia do fim de século, envolvidos em relações de interesse, em decadência financeira. Um redemoinho de relativização moral que leva Ivanov.
Ele se casou com uma judia, Sarah, que deixou de amar e agora está morrendo de tuberculose. Envolve-se então com Sasha, a filha de uma usurária.
Por todo lado, acusam-no de ter se casado com Sarah de olho no dinheiro da família, de ter fugido dela quando o dinheiro não veio e de, no limite, causar sua doença e morte. De querer se casar com Sasha para escapar das dívidas com o dinheiro da sogra.
Ser tratado como "o Hamlet russo" é exagero, mas Ivanov não é qualquer personagem, por melodramático que seja.
O problema da interpretação de Zecarlos Machado, tão séria e encerrada em si mesma, enquanto à sua volta a montagem de Eduardo Tolentino aproveita as deixas farsescas, é que ela se quer trágica e não melodramática.
Nikolai Ivanov é, como tanto proclama na própria peça, "ridículo". Ele sabe que não é, o que também repete, "um segundo Hamlet". Para o melodrama, parece faltar a Zecarlos Machado a aceitação do ridículo.
E trata-se de uma montagem com não poucas belas interpretações -sem temor das explosões emocionais do gênero- para personagens até menos promissores do que Ivanov, como nos casos de Shabelsky e de Lebedev.
A encenação, como é regra no grupo Tapa, é bastante tradicional, sem maior risco nas marcações e com mínimo desenvolvimento na coreografia. Desta vez, porém, é mais cuidada nos figurinos e cenários, com atenção a detalhes -e à beleza. (NS)



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