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FERNANDO GABEIRA
O sistema financeiro nas águas do Formoso
O rio Formoso fica em Bonito.
Tem pouco mais de 100 quilômetros de água verde escura,
quase azul. São águas lavadas
pelo calcário, transparentes. É
possível descer nele um trecho
de um quilômetro, deixando
que a correnteza nos arraste
suavemente. Com ajuda da
máscara e do canudo para respirar, o snorkel, podemos ver
tudo que se passa no fundo, cruzando com cardumes que seguem rio abaixo. A cerca de 20
centímetros da minha cabeça,
nadava um dourado que me
guiou pelos mistérios do rio
quase 400 metros.
O Formoso é apenas um rio de
Bonito. Existem outros tão belos
como ele. Esta região do Mato
Grosso do Sul apresenta verdadeiros paraísos aquáticos e se
transforma rapidamente num
centro de turismo nacional.
O Pantanal ainda concentra
os sonhos dos visitantes por
causa de sua riqueza em pássaro e peixe. Mas os rios de Bonito
são um dos pontos mais interessantes do mundo, sobretudo para quem gosta de água cristalina.
Tanto Bonito como o Pantanal são recursos estratégicos do
Brasil.
Pensei em escrever sobre eles,
mas, quando emergi, soube que
houve um escândalo federal e
Chico Lopes, ex-presidente do
Banco Central, estava metido
nele, porque descobriram que
tinha U$1,7 milhão.
Ninguém sabe dizer aqui se a
grana é legal. Por que o escândalo? Creio que a surpresa desempenhou seu papel. Chico Lopes parecia um tranquilo homem da classe média, que, como todos nós, compra carro em
36 prestações e sente um frio na
barriga quando chega a conta
do cartão de crédito. Sabê-lo
milionário é sentir-se traído.
Ele parece um desses intelectuais distraídos, sempre às voltas com livros e idéias, usando
um casaco de tweed com o cotovelo costurado em couro e fumando um cachimbo, lembranças do curso no exterior.
Fomos enganados pela aparência, ou nós é que não percebemos que os intelectuais estão
mudando? Na nossa fantasia,
os condenamos a viver em apartamento alugado, ao carro popular e uma viagem de dois em
dois anos.
Talvez seja necessário sacudir
nossos conceitos. Conhecimento, hoje, chama-se capital humano, e informação, privilegiada ou não, tornou-se uma mercadoria. Refinados economistas
querem ser banqueiros e sua
aura romântica é uma réplica
dos delegados de policia que,
antigamente, tocavam piano.
Falar disso agora é tão inútil
como descrever as profundezas
do Formoso.
Vivemos um momento de fúria cívica. Quem lucrou, quem
perdeu, quem declarou, quem
sonegou, onde é que você estava
no dia em que o dólar ultrapassou os dois reais?
Daqui a pouco poderemos estudar esta geração de economistas que criam as regras do jogo,
formulando as políticas do governo. Eles se dão muito bem dirigindo empresas particulares.
Mas, igualmente, se dão bem
com escritórios que prevêem o
futuro imediato.
O foco no momento é o comércio de informações privilegiadas. Não me meto muito nisto,
pois disponho de poucos dados
novos e há uma CPI para isto,
sem contar as dezenas de repórteres cavando furos e procuradores catando documentos.
Ouso apenas afirmar que a
mercadoria competência rivaliza com a mercadoria informação privilegiada. Esses economistas sabem o caminho das pedras porque estudam muito e se
informam adequadamente. O
comércio de "inside information", suponho eu, é apenas um
atalho para a prosperidade que
viria, de qualquer maneira, um
pouco mais lenta e generosa.
Devem existir dois tipos de demanda. O desenho de cenários
dinâmicos, que requer uma permanente capacidade de análise,
e a chamada informação de cocheira, que possibilita uma
grande tacada.
Convivendo com tanta intimidade com a formação de fortunas, dando um empurrão em
negócios milionários, os grandes economistas que deixam a
teoria para mergulhar na prática devem ser tentados a cada
instante pela deusa fortuna.
Aqui em Bonito, minha missão não é julgar e sim mergulhar antes que o inverno esfrie
demais essas águas deslumbrantes. Deixo essas notas para
revê-las depois. Sinto apenas
que analisar, informar, orientar
são tarefas que vão seguir enriquecendo, pois o mercado é turvo como as águas do Miranda.
Estão aí duas grandes fortunas, Bill Gates e George Soros,
diferentes dos milionários que
faziam carros e erguiam indústrias. Escrevem livros, dão palestras, são uma mistura de rico
profissional e diletante intelectual, um novo produto dessas
rápidas mudanças que o fim de
século nos reservou. Tão rápidas que sequer as entendemos
bem aqui, sudoeste do Mato
Grosso do Sul.
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