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O filho dos Darnenne
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Atores-mirins assombram os
filmes muito antes de Shirley
Temple e Mickey Rooney terem mesmo chorado na sala de
parto. Entretanto, o mesmo cinema que os transforma em celebridades da noite para o dia,
os abandona quando crescem e,
depois de adultos, eles se perdem na poeira do tempo.
O belga Jérémie Renier teve
uma sorte diferente. Depois de
estrear aos 14 anos em "La Promesse", o primeiro longa de ficção dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, ele retorna, já
adulto, ao universo doloroso da
dupla belga.
Sobre a primeira experiência, Renier recorda que "tinha
14 anos na época e era um completo idiota. Naquela situação,
eu aprendi o que significa fazer
cinema. Desde o início, Luc e
Jean-Pierre me estimularam a
representar de um modo natural, a abordar o personagem de
um modo corporal. Eles são
bastante exigentes, exigem do
ator dedicação total ao personagem e à história, e eu aprendi
bastante com esse rigor".
Surpreendente para Renier
foi o convite para protagonizar
"O Filho", quarto filme na carreira de impacto da dupla belga,
que já deu a eles, em seis anos,
uma segunda Palma de Ouro
em Cannes (em 2005).
"Eu não imaginava que pudesse voltar a trabalhar com
eles. Mas um dia Jean-Pierre
me ligou em Paris e disse que
gostaria de me rever. Eu pensei
que era apenas um amigo querendo retomar um laço perdido. Marcamos de eu ir a Bruxelas e, assim que nos vimos, os
dois se puseram a falar de um
novo projeto e que gostariam
que eu participasse como protagonista. A essa altura eu caí
das nuvens. Tive um misto de
alegria e de temor. Fiquei feliz
pelo convite, mas temeroso de
não estar à altura. Eu sei a importância que La Promesse teve na minha carreira, mas nunca tive certeza de que era suficientemente bom para o papel
difícil de Bruno."
Esse tipo de dificuldade, segundo Renier, não passa pelo
fato de serem dois diretores e
acima de tudo por eles serem
irmãos. "Os dois trabalham como se fossem dois corpos e uma
só cabeça. Mesmo quando um
está próximo dos atores enquanto o outro acompanha a
cena no monitor de vídeo eles
são um só. Eu nunca testemunhei nenhum conflito de opinião entre eles, sempre uma
cumplicidade maluca", revela.
Já a impressão documental e
de certo improviso que emana
das situações filmadas pela dupla belga é resultado, de fato,
não tem origem em nenhum tipo de liberdade concedida ao
acaso durante as filmagens. Segundo o jovem ator, "não há espaço para improvisação. Ensaiamos cerca de um mês e
meio antes de filmar, freqüentamos as locações e os cenários,
fazemos os testes de figurinos.
É nessa fase que eles nos levam
a buscar e a encontrar o personagem, a integrar algo pessoal à
situação. Nada é improvisado
durante as filmagens. O roteiro
é seguido à risca. Apesar da aparência de ações em aberto, tudo
já está absolutamente escrito e
previsto".
Sobre seu personagem, o antipático papel de Bruno, um jovem delinqüente que vê em tudo e todos apenas meios de satisfação de sua ganância, Renier guarda uma impressão
ambígua. "Eu acho que Bruno é
tanto vitima como irresponsável. Ele é imaturo para ser responsável e, ao mesmo tempo, é
vítima de um capitalismo que
transforma não apenas as coisas em mercadorias, mas tudo
mais, as pessoas, os afetos etc.
Ele só entende a palavra valor
como sinônimo de dinheiro e
isso não é um defeito pessoal do
personagem, é algo em que ele é
transformado. Por isso, acho
que o título "A Criança" refere-se não só ao bebê, mas em particular à criança que Bruno também é. Isso faz dele, num certo
ponto, um inocente", reflete.
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