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Livros
Eggers evita rótulo de pós-moderno
Em entrevista, autor comenta "What Is the What", recém-lançado nos EUA, e "A Fome de Todos Nós", que chega ao Brasil
Escritor norte-americano diz que gosta de combinar princípios jornalísticos de reportagem com a liberdade que só a ficção permite
RICARDO MORENO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA YORK
Dave Eggers é um especialista em forjar a realidade. E ele
costuma desferir esse golpe em
seus próprios livros. Sobre as
cruas camadas da vida real o escritor americano aplica boas
doses de um verniz fantasioso.
"Desse modo eu posso combinar os princípios jornalísticos de reportagem com a liberdade que só a ficção permite",
disse à Folha, por e-mail, numa
das raras entrevistas que concede. Foi assim que nasceu seu
novo trabalho, "What Is the
What", recém-lançado nos Estados Unidos. Num catatau de
quase 500 páginas, o autor
aplica uma cor ainda mais ocre
ao já doloroso périplo de um jovem sudanês pela África até
sua ida para Atlanta como refugiado de guerra.
No Brasil, Eggers, 37, acaba
de chegar às prateleiras com "A
Fome de Todos Nós", lançado
três anos atrás nos EUA. Trata-se de uma coletânea de 14 contos na qual dá voz a personagens solitários, amantes decepcionados ou ainda um saudosista casal pró-ecologia que não
se cansa de lembrar o que fez
pelo mundo no passado.
Algumas histórias são inéditas; outras já haviam aparecido
em compilações, como a promovida em 1997 pela revista
"Zoetrope", do cineasta Francis Ford Coppola. Eggers estreou na literatura em 2000
com o incensado "Uma Comovente Obra de Espantoso Talento". Jornalista por formação, ele toca a sua própria editora, a cult McSweeney's Library, responsável pela revista
de literatura "The Believer".
FOLHA - Em "A Fome de Todos
Nós", o sr. levanta questões de consciência ecológica. O que o sr. faz no
dia-a-dia para amenizar problemas
como o aquecimento global?
DAVE EGGERS - Esse conto tem
uma dose de otimismo que não
é real. Eu me frustro diariamente com o pouco tempo que
existe para fazermos todas as
coisas que gostaríamos e a necessidade urgente de promover
mudanças sociais, econômicas
e políticas. De modo que escrevi essa história, na qual um pai
olha para trás durante uma
conversa com a sua filha e lembra de tudo que ele e a mulher
foram capazes de fazer para
mudar positivamente o mundo. Seria ótimo se fosse assim,
não seria? Obviamente, na minha vida, eu sou mais realista.
Eu sei que minha capacidade
de promover alguma mudança
é limitada e seu efeito seria visto numa escala bem menor.
FOLHA - Enquanto no Brasil está
saindo "A Fome de Todos Nós", nos
EUA o sr. lançou "What Is The
What", que trata da história de um
refugiado de guerra do Sudão. Como surgiu essa idéia?
EGGERS - Em 2002, Mary Williams, fundadora da Lost Boys
Foundation -organização sem
fins lucrativos que se dedica a
ajudar na transição de refugiados sudaneses para os EUA-,
escreveu perguntando se eu estava interessado em encontrar
com um desses refugiados, o
Valentino. Ela disse que ele tinha acabado de chegar em
Atlanta e queria que alguém escrevesse sua biografia. Fui para
Atlanta encontrá-lo e a mais
outros 180 jovens sudaneses.
Começamos a discutir o livro
naquele momento, sem saber
onde aquilo ia dar e sem ter a
consciência de que levaríamos
quatro anos para finalizá-lo.
FOLHA - Há sete anos, a diretora
Kimberly Peirce anunciou que estava adaptando para o cinema o seu livro "Uma Comovente Obra de Espantoso Talento", algo que não se
concretizou. O que houve?
EGGERS - Vários executivos e
diretores que quiseram fazer
um filme a partir do livro tinham diferentes idéias sobre
como fazê-lo melhor. Eu e meu
irmão, Toph, queríamos um filme que fosse algo ousado e inovador, mas a maioria dos estúdios e diretores tinha uma visão
mais conservadora. Portanto,
acho que nunca haverá uma
versão cinematográfica do livro, o que acaba, de certo modo,
sendo um alívio.
FOLHA - Por falar em cinema, o sr.
está trabalhando no roteiro do novo
filme de Spike Jonze, "Where The
Wild Things Are", baseado no clássico infantil de Maurice Sendak. Como está o projeto?
EGGERS - Começamos a trabalhar no roteiro em 2003, e o filme terminou de ser rodado no
ano passado, na Austrália. Agora está em fase de edição e deve
ser lançado no outono do ano
que vem. Não sei quão populares são os livros de Sendak no
Brasil, mas aqui provavelmente
são os mais conhecidos e amados livros infantis. Mas, quando foi publicado pela primeira
vez, cerca de 40 anos atrás, foi
considerado perigoso e banido
de muitas livrarias. O livro é
muito realista acerca de conflitos familiares e dos verdadeiros
desejos de um rapaz. Nosso objetivo é trazer de volta todo esse
"perigo" contido na obra.
FOLHA - Muitos escritores não se
sentem confortáveis para falar em
público. O sr. participa de vários
eventos literários. É algo torturante?
EGGERS - Nos Estados Unidos,
todos os escritores realizam várias aparições públicas. Eu não
cresci desejando estar atrás de
um microfone e ainda prefiro
ficar em casa de pijama. Mas
gosto de encontrar e conversar
com as pessoas depois de uma
sessão de leitura. Acredito que
somos sortudos por termos
tantos leitores que freqüentam
eventos literários.
FOLHA - Alguns críticos consideram o sr. um escritor "pós-moderno". Rótulos o incomodam?
EGGERS - Tenho produzido tantas coisas que poderiam se encaixar na percepção popular do
que é considerado literatura
pós-moderna mas também tenho tantas outras que são muito mais tradicionais em termos
de estilo. Então não me sinto
confortável nem com esse nem
com nenhum rótulo. Mas não é
da minha conta decidir onde
meus trabalhos vão se encaixar.
Estou perto demais deles para
ter qualquer visão panorâmica.
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