São Paulo, sábado, 26 de maio de 2007

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Livros

Eggers evita rótulo de pós-moderno

Em entrevista, autor comenta "What Is the What", recém-lançado nos EUA, e "A Fome de Todos Nós", que chega ao Brasil

Escritor norte-americano diz que gosta de combinar princípios jornalísticos de reportagem com a liberdade que só a ficção permite


RICARDO MORENO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Dave Eggers é um especialista em forjar a realidade. E ele costuma desferir esse golpe em seus próprios livros. Sobre as cruas camadas da vida real o escritor americano aplica boas doses de um verniz fantasioso. "Desse modo eu posso combinar os princípios jornalísticos de reportagem com a liberdade que só a ficção permite", disse à Folha, por e-mail, numa das raras entrevistas que concede. Foi assim que nasceu seu novo trabalho, "What Is the What", recém-lançado nos Estados Unidos. Num catatau de quase 500 páginas, o autor aplica uma cor ainda mais ocre ao já doloroso périplo de um jovem sudanês pela África até sua ida para Atlanta como refugiado de guerra.
No Brasil, Eggers, 37, acaba de chegar às prateleiras com "A Fome de Todos Nós", lançado três anos atrás nos EUA. Trata-se de uma coletânea de 14 contos na qual dá voz a personagens solitários, amantes decepcionados ou ainda um saudosista casal pró-ecologia que não se cansa de lembrar o que fez pelo mundo no passado.
Algumas histórias são inéditas; outras já haviam aparecido em compilações, como a promovida em 1997 pela revista "Zoetrope", do cineasta Francis Ford Coppola. Eggers estreou na literatura em 2000 com o incensado "Uma Comovente Obra de Espantoso Talento". Jornalista por formação, ele toca a sua própria editora, a cult McSweeney's Library, responsável pela revista de literatura "The Believer".

 

FOLHA - Em "A Fome de Todos Nós", o sr. levanta questões de consciência ecológica. O que o sr. faz no dia-a-dia para amenizar problemas como o aquecimento global?
DAVE EGGERS -
Esse conto tem uma dose de otimismo que não é real. Eu me frustro diariamente com o pouco tempo que existe para fazermos todas as coisas que gostaríamos e a necessidade urgente de promover mudanças sociais, econômicas e políticas. De modo que escrevi essa história, na qual um pai olha para trás durante uma conversa com a sua filha e lembra de tudo que ele e a mulher foram capazes de fazer para mudar positivamente o mundo. Seria ótimo se fosse assim, não seria? Obviamente, na minha vida, eu sou mais realista. Eu sei que minha capacidade de promover alguma mudança é limitada e seu efeito seria visto numa escala bem menor.

FOLHA - Enquanto no Brasil está saindo "A Fome de Todos Nós", nos EUA o sr. lançou "What Is The What", que trata da história de um refugiado de guerra do Sudão. Como surgiu essa idéia?
EGGERS -
Em 2002, Mary Williams, fundadora da Lost Boys Foundation -organização sem fins lucrativos que se dedica a ajudar na transição de refugiados sudaneses para os EUA-, escreveu perguntando se eu estava interessado em encontrar com um desses refugiados, o Valentino. Ela disse que ele tinha acabado de chegar em Atlanta e queria que alguém escrevesse sua biografia. Fui para Atlanta encontrá-lo e a mais outros 180 jovens sudaneses. Começamos a discutir o livro naquele momento, sem saber onde aquilo ia dar e sem ter a consciência de que levaríamos quatro anos para finalizá-lo.

FOLHA - Há sete anos, a diretora Kimberly Peirce anunciou que estava adaptando para o cinema o seu livro "Uma Comovente Obra de Espantoso Talento", algo que não se concretizou. O que houve?
EGGERS -
Vários executivos e diretores que quiseram fazer um filme a partir do livro tinham diferentes idéias sobre como fazê-lo melhor. Eu e meu irmão, Toph, queríamos um filme que fosse algo ousado e inovador, mas a maioria dos estúdios e diretores tinha uma visão mais conservadora. Portanto, acho que nunca haverá uma versão cinematográfica do livro, o que acaba, de certo modo, sendo um alívio.

FOLHA - Por falar em cinema, o sr. está trabalhando no roteiro do novo filme de Spike Jonze, "Where The Wild Things Are", baseado no clássico infantil de Maurice Sendak. Como está o projeto?
EGGERS -
Começamos a trabalhar no roteiro em 2003, e o filme terminou de ser rodado no ano passado, na Austrália. Agora está em fase de edição e deve ser lançado no outono do ano que vem. Não sei quão populares são os livros de Sendak no Brasil, mas aqui provavelmente são os mais conhecidos e amados livros infantis. Mas, quando foi publicado pela primeira vez, cerca de 40 anos atrás, foi considerado perigoso e banido de muitas livrarias. O livro é muito realista acerca de conflitos familiares e dos verdadeiros desejos de um rapaz. Nosso objetivo é trazer de volta todo esse "perigo" contido na obra.

FOLHA - Muitos escritores não se sentem confortáveis para falar em público. O sr. participa de vários eventos literários. É algo torturante?
EGGERS -
Nos Estados Unidos, todos os escritores realizam várias aparições públicas. Eu não cresci desejando estar atrás de um microfone e ainda prefiro ficar em casa de pijama. Mas gosto de encontrar e conversar com as pessoas depois de uma sessão de leitura. Acredito que somos sortudos por termos tantos leitores que freqüentam eventos literários.

FOLHA - Alguns críticos consideram o sr. um escritor "pós-moderno". Rótulos o incomodam?
EGGERS -
Tenho produzido tantas coisas que poderiam se encaixar na percepção popular do que é considerado literatura pós-moderna mas também tenho tantas outras que são muito mais tradicionais em termos de estilo. Então não me sinto confortável nem com esse nem com nenhum rótulo. Mas não é da minha conta decidir onde meus trabalhos vão se encaixar. Estou perto demais deles para ter qualquer visão panorâmica.


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