|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES CÊNICAS
Criador do histórico Teatro de Arena encena em espaço underground de SP o espetáculo "Turandot"
José Renato, 73, ainda busca o teatro popular
ERIKA SALLUM
da Reportagem Local
Sem memória, o teatro brasileiro
assistiu calado na semana passada
à estréia de mais uma peça do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
Em cartaz numa minúscula sala
do underground Centro Popular
de Cultura da Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas), no centro de São Paulo, "Turandot" esconde atrás de si um nome que, se hoje custa a ser lembrado pelas novas gerações, foi no
passado fundamental para os palcos do país: José Renato.
Aos 73 anos, o diretor paulistano
que um dia sonhou ser dentista
criou na década de 50 o Teatro de
Arena, grupo que marcaria para
sempre as artes cênicas com espetáculos como "Eles Não Usam
Black-Tie".
Alvo de críticas do início dos
anos 70 em diante, quando passou
a encenar peças de bulevar consideradas comerciais, José Renato
assumiu no início da carreira um
compromisso com o teatro popular -que tenta manter até hoje.
Oriundo da primeira turma da
Escola de Arte Dramática, pela
qual trocou uma possível faculdade de odontologia, certa vez tomou
emprestado do crítico Décio de Almeida Prado um livro americano
sobre "theater in the round". Foi o
início de uma nova era no então
efervescente teatro paulistano.
"Não tínhamos dinheiro, por isso optamos por um teatro de arena, mais despojado e cuja produção não custava tão caro."
A economia acabou aperfeiçoando um novo tipo de ator, que deixou de representar e passou a interpretar o texto. "O teatro em forma de arena exigia do ator uma
maior introspecção e responsabilidade. Se ele não interpretasse, perdia o sentido de autenticidade. Diferentemente do palco italiano, se
o bigode postiço caísse, não dava
para virar de costas e arrumá-lo..."
Mais do que isso, a arena tinha
uma vantagem acima de todos os
outros espaços: a proximidade
com o público, que se sentia parte
do espetáculo, numa quase perfeita comunhão com quem está no
centro do tablado. "Essa confraternização com a platéia virou
uma obsessão para mim a partir
de então. Como num jogo de xadrez, as duas partes procuram adivinhar os lances de cada uma, propiciando atos inesperados. Isso se
concretizou no Arena", diz.
E o que produziam esses jovens
artistas, aos quais mais tarde somou-se o "mestre" russo Eugênio
Kusnet, ator e professor de interpretação que influenciou grande
parte do teatro da época?
De tudo, um pouco, "sem direção de repertório nítida, procurando experimentar tudo", nas
palavras de José Renato. Por aquele teatrinho na rua Teodoro Baima, no centro da cidade, transformado em 1955 em sede oficial do
grupo, passaram de clássicos como Molière e Pirandello a brasileiros do porte de Silveira Sampaio.
Por ali, ainda, transitaram Vianinha, Guarnieri...
E a tão falada rivalidade com o
imponente TBC (Teatro Brasileiro
de Comédia) de Cacilda Becker?
"Não havia rixa entre nós, como as
pessoas gostam de falar hoje em
dia. Íamos assistir aos espetáculos
do TBC e vice-versa. Os atores de
lá eram muito bons..."
Mas, ao contrário do TBC, os artistas do elenco não eram usados
para chamar público -todos integravam a "trupe do Arena": "Eu
achava que o Arena era uma companhia, era ela que tinha de aparecer. Erro meu: mais tarde verifiquei que, neste mundo capitalista,
isso era uma utopia. Se tivéssemos
feito com nossos atores a mesma
propaganda do TBC, talvez pudéssemos ter hoje nomes muito mais
importantes". Cita como exemplo
Dirce e Flávio Migliaccio.
E foi exatamente este "mundo
capitalista" que levou José Renato
a um teatro mais comercial e rentável, tempos depois de seu afastamento voluntário do Arena.
Tudo começou em 1958, quando
aceitou um convite para participar
de uma temporada parisiense no
Théâtre National Populaire, de
Jean Vilar e Gerard Phillipe.
Na volta, por problemas pessoais, já não queria mais ficar em
São Paulo. Nos anos 60, dirigiu, no
Rio, onde ainda reside, o Teatro
Nacional de Comédia, trabalhou
no Uruguai, morou em Curitiba,
sofreu com a censura, amadureceu. Percebeu que precisava de dinheiro para sobreviver.
Como diretor independente desde 1964, montou mais de 50 peças,
entre elas várias comédias de costume, espetáculos de "entretenimento": "Teatro político já não
podia mais ser feito, e os autores
brasileiros sumiram... Mas fiz
muitas coisas boas, mesmo entre
as comediazinhas de bulevar".
Mas, diz, só encena um texto,
mesmo que comercial, se o considera bom. "Certa vez, um ator que
trabalhava comigo, chamado Marcos Caruso, me mostrou uma obra
dele. Achei péssima e pedi que a
engavetasse. Sabe como era o nome da peça? "Trair e Coçar É Só
Começar", que mais tarde virou
um fenômeno teatral. Veja só, a
gente não sabe nada, né?"
Texto Anterior: Marcelo Coelho: Cinema brasileiro reconhece antigos problemas Próximo Texto: Brecht não montou texto Índice
|