São Paulo, Quarta-feira, 26 de Maio de 1999
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ARTES CÊNICAS
Criador do histórico Teatro de Arena encena em espaço underground de SP o espetáculo "Turandot"
José Renato, 73, ainda busca o teatro popular

ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

Sem memória, o teatro brasileiro assistiu calado na semana passada à estréia de mais uma peça do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
Em cartaz numa minúscula sala do underground Centro Popular de Cultura da Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas), no centro de São Paulo, "Turandot" esconde atrás de si um nome que, se hoje custa a ser lembrado pelas novas gerações, foi no passado fundamental para os palcos do país: José Renato.
Aos 73 anos, o diretor paulistano que um dia sonhou ser dentista criou na década de 50 o Teatro de Arena, grupo que marcaria para sempre as artes cênicas com espetáculos como "Eles Não Usam Black-Tie".
Alvo de críticas do início dos anos 70 em diante, quando passou a encenar peças de bulevar consideradas comerciais, José Renato assumiu no início da carreira um compromisso com o teatro popular -que tenta manter até hoje.
Oriundo da primeira turma da Escola de Arte Dramática, pela qual trocou uma possível faculdade de odontologia, certa vez tomou emprestado do crítico Décio de Almeida Prado um livro americano sobre "theater in the round". Foi o início de uma nova era no então efervescente teatro paulistano.
"Não tínhamos dinheiro, por isso optamos por um teatro de arena, mais despojado e cuja produção não custava tão caro."
A economia acabou aperfeiçoando um novo tipo de ator, que deixou de representar e passou a interpretar o texto. "O teatro em forma de arena exigia do ator uma maior introspecção e responsabilidade. Se ele não interpretasse, perdia o sentido de autenticidade. Diferentemente do palco italiano, se o bigode postiço caísse, não dava para virar de costas e arrumá-lo..."
Mais do que isso, a arena tinha uma vantagem acima de todos os outros espaços: a proximidade com o público, que se sentia parte do espetáculo, numa quase perfeita comunhão com quem está no centro do tablado. "Essa confraternização com a platéia virou uma obsessão para mim a partir de então. Como num jogo de xadrez, as duas partes procuram adivinhar os lances de cada uma, propiciando atos inesperados. Isso se concretizou no Arena", diz.
E o que produziam esses jovens artistas, aos quais mais tarde somou-se o "mestre" russo Eugênio Kusnet, ator e professor de interpretação que influenciou grande parte do teatro da época?
De tudo, um pouco, "sem direção de repertório nítida, procurando experimentar tudo", nas palavras de José Renato. Por aquele teatrinho na rua Teodoro Baima, no centro da cidade, transformado em 1955 em sede oficial do grupo, passaram de clássicos como Molière e Pirandello a brasileiros do porte de Silveira Sampaio. Por ali, ainda, transitaram Vianinha, Guarnieri...
E a tão falada rivalidade com o imponente TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) de Cacilda Becker? "Não havia rixa entre nós, como as pessoas gostam de falar hoje em dia. Íamos assistir aos espetáculos do TBC e vice-versa. Os atores de lá eram muito bons..."
Mas, ao contrário do TBC, os artistas do elenco não eram usados para chamar público -todos integravam a "trupe do Arena": "Eu achava que o Arena era uma companhia, era ela que tinha de aparecer. Erro meu: mais tarde verifiquei que, neste mundo capitalista, isso era uma utopia. Se tivéssemos feito com nossos atores a mesma propaganda do TBC, talvez pudéssemos ter hoje nomes muito mais importantes". Cita como exemplo Dirce e Flávio Migliaccio.
E foi exatamente este "mundo capitalista" que levou José Renato a um teatro mais comercial e rentável, tempos depois de seu afastamento voluntário do Arena.
Tudo começou em 1958, quando aceitou um convite para participar de uma temporada parisiense no Théâtre National Populaire, de Jean Vilar e Gerard Phillipe.
Na volta, por problemas pessoais, já não queria mais ficar em São Paulo. Nos anos 60, dirigiu, no Rio, onde ainda reside, o Teatro Nacional de Comédia, trabalhou no Uruguai, morou em Curitiba, sofreu com a censura, amadureceu. Percebeu que precisava de dinheiro para sobreviver.
Como diretor independente desde 1964, montou mais de 50 peças, entre elas várias comédias de costume, espetáculos de "entretenimento": "Teatro político já não podia mais ser feito, e os autores brasileiros sumiram... Mas fiz muitas coisas boas, mesmo entre as comediazinhas de bulevar".
Mas, diz, só encena um texto, mesmo que comercial, se o considera bom. "Certa vez, um ator que trabalhava comigo, chamado Marcos Caruso, me mostrou uma obra dele. Achei péssima e pedi que a engavetasse. Sabe como era o nome da peça? "Trair e Coçar É Só Começar", que mais tarde virou um fenômeno teatral. Veja só, a gente não sabe nada, né?"


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