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RODAPÉ
Os lugares da crítica
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Existe literatura sem crítica
literária? Todo artefato poético encerra uma teoria da literatura? "A Leitura e Seus Lugares", escrito por Júlio Pimentel Pinto,
traz à tona novamente essa pergunta, que ficou submersa depois
do refluxo das grandes correntes
interpretativas do século 20, do
"boom" da teoria literária, cujo
ponto culminante (e terminal) foram o estruturalismo e o desconstrucionismo.
Bem entendido, o livro de Pimentel Pinto não tem a ambição
de lançar conceitos revolucionários ou de reivindicar para a teoria
literária um papel transformador
-já que a própria literatura, nestes tempos pós-utópicos, perdeu
qualquer poder de intervenção
sobre a realidade.
Sua pretensão é aparentemente
mais modesta: "A Leitura e Seus
Lugares" reúne alguns ensaios sobre clássicos modernos como
Proust, Jorge Luis Borges e Bioy
Casares, sobre um autor contemporâneo de romances policiais (o
italiano Andrea Camilleri), além
de textos sobre o imaginário latino-americano ou a interpretação
textual (a noção de "obra aberta",
de Umberto Eco, os "protocolos
de leitura" propostos por Robert
Scholes).
À primeira vista, portanto, o livro parece se limitar (o que já não
seria pouco) à reflexão erudita e
consistente sobre temas caros a
esse historiador e crítico literário
que escreveu um importante livro
sobre o autor de "O Aleph"
("Uma Memória do Mundo: Ficção, Memória e História em Jorge
Luis Borges").
E, no entanto, há em "A Leitura
e Seus Lugares" uma defesa apaixonada da teoria como desdobramento necessário do ato de ler, já
que, para Pimentel Pinto, toda leitura é interpretação, assim como
toda "escritura" (no sentido que
lhe dava Barthes, ou seja, de reinvenção do ato de escrever) nasce
da leitura.
O livro polemiza, desde o primeiro ensaio ("Crítica e Renovação: O Exemplo e o Espelho de
Botticelli"), com um tipo de crítica que, ao cair no "culto novolátrico", se torna uma pálida reprodução daquela "tradição de rupturas" de que falava Octavio Paz a
propósito do espírito moderno,
transformando o artefato literário
num produto de consumo, reposto semanalmente na prateleira da
indústria cultural.
Mais do que apontar a rarefação
da crítica na academia e nos jornais, porém, Pimentel Pinto mostra como essa indigência se internalizou em teorias (se é que ainda
as podemos chamar assim) que
pacificam a leitura, coagulando
seu sentido.
Ao discutir (e defender) a noção
de "obra aberta" de Eco, escreve
Pimentel Pinto: "O grande mal
em questão é o da fixação do que é
móvel. Ou seja, quando se patenteia uma dada obra, paralisando-a na visão que algum crítico teve
dela, abre-se mão da possibilidade de circulá-la como leitor e de
"reescrevê-la" na memória. Fecha-se a obra e "objetiva-se" o que foi
subjetividade crítica".
Obviamente, uma das coisas
que o autor tem em mente aqui é
o debate sobre o caráter supostamente redutor dos estudos culturais (que aplicam categorias políticas e históricas à literatura), tema que aparece explicitamente
no ensaio "Lugares e Memórias
dos Livros: Bibliotecas Reais e
Imaginárias", em que Pimentel
Pinto discute a rejeição dos estudos culturais por Harold Bloom
("O Cânone Ocidental").
A imagem da biblioteca como
lugar de memória e esquecimento, e da leitura como processo de
seleção e perda de conteúdos (ao
fixarmos um repertório de livros e
autores, estamos ou deveríamos
estar conscientes dos inúmeros
outros repertórios que deixamos
de constituir), percorre "A Leitura e Seus Lugares" como oscilação
entre o real e o imaginário que é a
marca da modernidade.
"A história, agora transmutada
em historiografia, precisa também ser pensada como experiência de linguagem", escreve em "A
História nas Margens". Ao mesmo tempo, porém, ele evita cuidadosamente o reducionismo de
transformar tudo em "textualidade", mostrando o papel incontornável que os processos de colonização e urbanização tiveram sobre as "metáforas de pluralidade
da identidade latino-americana"
ou sobre os movimentos de vanguarda ("Rua de Borges e Seus
Contemporâneos").
A Leitura e Seus Lugares
Autor: Júlio Pimentel Pinto
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 27 (184 págs.)
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