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Ministério Público investiga plágios
Ação contra Martin Claret por plágio em traduções se baseia no Código Penal, que pune violação de direitos autorais
MP Estadual pediu inquérito policial e MP Federal estuda ação civil pública; editora diz que negocia indenizações e faz reedições
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem entra em grandes livrarias de todo o país e é atraído
por títulos clássicos -em geral
de obras antigas, sob domínio
público-, nem imagina que pode estar comprando gato por
lebre. Traduções plagiadas são
vendidas sem cerimônia por
editoras conhecidas nacionalmente, sob pseudônimos falsos
ou atribuição errônea.
Um dos casos mais conhecidos no meio editorial agora virou caso de polícia. A pedido do
Ministério Público Estadual, a
polícia instaurou na última sexta-feira um inquérito contra a
editora Martin Claret, por violação de direitos autorais.
A investigação está a cargo do
23º Distrito Policial, cujo titular é o delegado Luiz Antonio
Ribeiro Longo -para quem
ainda é prematuro fazer comentários. Os crimes sob investigação nesse caso -identificados nos artigos 184 e 186 do
Código Penal- prevêem desde
detenção de três meses até reclusão de quatro anos, e multa.
Seria uma pena inusitada para uma prática que infelizmente ainda é mais comum do que
os leitores imaginam. A partir
de denúncias publicadas nesta
Folha, profissionais identificaram dezenas de novos casos
suspeitos ou comprovados.
Muitas vezes a ação é feita
pela utilização do trabalho intelectual de tradutores mortos,
o que favorece a falta de acompanhamento -ainda que vários
tradutores sejam famosos e tenham seus direitos morais e patrimoniais ainda sob guarda
profissional, como o poeta gaúcho Mario Quintana. Ou então
contam com a falta de vigilância oficial.
Machado traduzido
Quem fizer consultas no site
da Biblioteca Nacional
(www.bn.br), instituição que
abriga a Agência Brasileira do
ISBN, que tem a atribuição legal de registrar todos os livros
publicados no país (e que designa um código para cada um
deles, o ISBN), vai encontrar
descalabros.
Uma verificação rápida entre
as edições registradas pela própria Martin Claret é um bom
roteiro inicial. Pelo site, descobre-se que Machado de Assis
teve seu "Quincas Borba" vertido para o português por Pietro
Nassetti, tradutor prolífico da
editora. Machado traduzido
para o português?
Os dados são fornecidos pelas próprias editoras para a
Agência, que faria apenas o trabalho de registro passivo.
As traduções pirateadas acabam se propagando. Por terem
a aparência legal, os livros plagiados acabam citados até em
teses acadêmicas. O plágio é
feito pela cópia pura e simples
ou pela troca eventual de palavras ou frases.
Monteiro Lobato
Monteiro Lobato, um dos
fundadores da indústria editorial brasileira, é uma vítima da
prática. Uma versão de Lobato
do famoso "O Lobo do Mar", de
Jack London, da década de 30,
reapareceu "maquiada" pela
Martin Claret 60 anos depois,
sem o nome do criador de Emília e Visconde de Sabugosa.
Não é o único caso envolvendo Lobato. O Ministério Público Federal em São Paulo também está fazendo diligências
contra a mesma editora em
procedimento aberto pela procuradora da República Rosane
Cima Campiotto sobre essa e
outra tradução plagiada ("O Livro de Jângal", de Rudyard Kipling), o que pode eventualmente resultar em uma ação civil pública. Para isso, um antropólogo está avaliando se esse
caso tem interesse nacional ou
se atenta contra o patrimônio
cultural do país.
Casos como esse, ainda que
claramente contemplados pela
Lei do Direito Autoral (nº
9.610, de 1998), podem ser considerados apenas de interesse
particular dos autores ou seus
sucessores, e portanto apenas
eles seriam parte legítima para
tomar medidas legais.
As duas ações do Ministério
Público se seguiram a denúncias encaminhadas por tradutores como Joana Canêdo e Denise Bottmann. Esta última
mantém um blog (naogostodeplagio.blogspot.com) em
que aponta de forma minuciosa casos de plágio envolvendo
outras editoras.
Outro lado
A Martin Claret, famosa pelos livros de bolso que vende
em todo o país, admite que diversas traduções tem atribuição errada. Designada para responder pela editora, a advogada
Maria Luiza de Freitas Valle
Egea diz que a Martin Claret
está "refazendo o seu catálogo,
contratando tradutores para as
novas publicações, e pagando
os titulares dos direitos de todas as obras em que os problemas estão sendo detectados".
Segunda ela, a Martin Claret
já reeditou mais de 80 títulos e
fez acordos com as editoras
Ediouro, 34, Hedra e com os
tradutores Boris Schnaiderman e João Angelo Oliva.
Isso não impede que livros
publicamente denunciados
continuem sendo comercializados em grandes livrarias. A
Livraria Cultura, por exemplo,
uma das maiores de São Paulo,
continua vendendo "As Flores
do Mal", de Baudelaire, edição
da Martin Claret que a Folha
noticiou em 2007 ser uma tradução plagiada.
De prático, além de forçar as
reedições, as denúncias abortaram a venda da Martin Claret
para a editora Objetiva, associada ao grupo espanhol Prisa-Santillana, que havia anunciado sua aquisição em 2008.
Alvaro Gomes, agente que
cuida dos licenciamentos da
obra de Monteiro Lobato, diz
que a IBEP/Companhia Editora Nacional, que detém os direitos sobre as traduções, já está negociando com a Martin
Claret uma forma de ressarcimento. Há outros títulos da
Companhia Editora Nacional
que também teriam sido plagiados.
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