São Paulo, sexta, 26 de junho de 1998

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MÚSICA
Ícone pop, Gretchen vai à axé music de trio elétrico

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Embora tenha se convertido há sete anos em objeto exótico de culto em pistas "modernas" de dança, só agora a cantora e bailarina Gretchen é pela primeira vez compilada em CD, em "20 Sucessos".
Assim, ganham formato digital as versões originais dos clássicos trash "Melô do Piripipi", "Conga, Conga, Conga" e "Freak le Boom Boom".
"Não sei explicar até hoje por que elas viraram moda de novo. É um mistério. Devo ao DJ Mauro Borges, então no clube Massivo", diz. À época, até Marisa Monte incluiu "Conga, Conga, Conga" em seu repertório.
Foram canções como as citadas que consagraram Gretchen, ou melhor, Maria Odete Brito de Miranda, 39, nascida no Rio de Janeiro e paulista desde os 4, como a primeira estrela da "música de bunda" no Brasil -a mesma vertente que hoje torna milionária sua fã declarada Carla Perez.
"Nunca estive com ela pessoalmente, mas, pelo que vejo na TV, a percebo muito parecida comigo quando tinha a idade dela. Ela parece ingênua, como eu era. É a Gretchen dos anos 90", compara.
Antes da volta das originais, andou -em meio a discos românticos e de lambada- regravando esses mesmos temas em ritmo de dance ou até, agora evangélica (após uma peregrinação por igrejas que não queriam deixá-la continuar a rebolar), adaptando "Freak le Boom Boom" para "Jesus é rei, ôôô, vai te salvar".
Sincronizada com a velocidade própria do pop, a Gretchen 98 é, ainda, outra. Funcionária da empresa de trios elétricos Sol Nascente, lidera banda homônima de axé.
Com a sobrinha e a filha ("acho que ela não vai seguir meus passos, o negócio dela é mais ser atriz, modelo", diz), sobe nos trios em pontos estratégicos da cidade para cantar covers de Daniela Mercury, Banda Eva e Cheiro de Amor. "Nunca gostei de coisa antiga, só de coisa moderna", justifica.
"Nestes dias agora não estou dançando, porque estou operada. Tive uma gravidez de gêmeos, então fiz uma plástica de abdome e busto. Já fiz quatro lipoaspirações, mas plástica é a primeira. Enquanto meu médico existir, estou sempre nova."
Parque de diversões
Lembrada aqui de fora, a trajetória de Gretchen é um parque de diversões, em seu auge urdido pelo produtor argentino Mister Sam, o "homem por trás de Gretchen". Ele compôs a panacéia de gemidos e palavras desconexas em francês, inglês, espanhol e português dos maiores sucessos da cantora.
"Como produtor, ele foi responsável por tudo. De resto, foi tudo muito natural. A coisa latina veio daí, porque ele é argentino. Sempre gostei muito de música latina, caí na mão da pessoa certa", avalia.
Alguém lembra que ela integrou o grupo feminino direcionado ao público infantil As Melindrosas -de que também participava sua irmã Sula Miranda-, com o qual gravou "Disco Baby" (78)?
Ela discorda que o conjunto já se utilizasse de elementos "sensuais" para conquistar a criançada -a empatia entre os pequenos tem sido um dado sempre presente na "música de bunda" (tanto que os Três Patinhos -alguém lembra?- regravaram seus sucessos com voz de Pato Donald).
"Não, não, não. Não era sensual. Era a época do "Dancin' Days', era collant, meia e sandália, uma coisa bem padrão da época, todo mundo usava."
"Qual É a Música?"
Alguém lembra que ela venceu 25 semanas o programa televisivo "Qual É a Música?", comandado por um de seus maiores divulgadores, Silvio Santos?
"Fui a segunda campeã, ganhei do Ronnie Von e empatei com ele em número de vitórias. Quem me venceu foi Nahim. No começo, ouvi Silvio dizer ao produtor que não sabia por que ele me pôs lá, porque eu não entendia de música. Aí fui ganhando, acabou admitindo que eu entendia de música."
E Gretchen entendia de música? "Eu tocava violão desde os 5 anos, dançava desde os 3. Música sempre fez parte da minha vida o tempo todo. Fui crooner do conjunto do Zaccaro, tive que aprender umas 2.500 músicas. Eu tinha um repertório vastíssimo. Fazíamos casamentos hebraicos, eu cantava até em iídiche."
Então ela cita os ídolos de quando começou a cantar solo, em 78: "Olha, eu tinha cantores internacionais favoritos, Donna Summer, James Taylor. Os nacionais da época também, Dudu França, Miss Lene, Peninha, Vanusa. Nunca gostei de samba, MPB. Preferia música americana, porque gostava muito de dançar o jazz".
E por que virou axé então? "Não gostar de música brasileira era coisa de idade, vejo por minha filha, que tem 15 anos. Mudei completamente, hoje eu amo música brasileira. Amo forró, música baiana. Não sou fã de MPB, Gal, Caetano. São pessoas maravilhosas, mas não curto as músicas deles. É gosto musical, cada um tem o seu."
Vai adiante: "Gosto de Marisa Monte, Vanessa Rangel. Para mim tem que ter melodia, aquelas músicas muito subjetivas, muito dissonantes não me atraem. Bossa nova não me atrai".
"Aluga-Se Moças"
Bem, após os anos de alta, Gretchen deixou de ser novidade. Co-protagonizou -lembra?- momento representativo da transição da pornografia ingênua para os anos do sexo explícito: estrelou, com Rita Cadillac, o pornô "Aluga-Se Moças" (assim mesmo, com a gramática capenga), em 81.
"Eu não vi até hoje, nem o copião. O que sei, pelo que me contam, é que não tinha enredo, não tinha texto. Mas não me lembro."
Ela não seguiria nessa linha, porém. "Eu nunca consegui fazer aquele erotismo vulgar. Não teria como eu fazer, meu trabalho era dançante. Foi tido como erótico porque era diferente."
Mas não era vulgar? "Até era. Para o público era extremamente vulgar você dançar de shortinho, aparecendo o bumbum. Não era vulgar para mim porque eu era uma menina. Hoje minha filha colocar um short aparecendo a polpinha da bunda é maravilhoso, está na moda. Eu dançar do jeito que dançava é ingênuo perto do jeito da Carla Perez hoje."
E Carla, é vulgar? "Acho que é, até por ser uma coisa que influencia as crianças, como aconteceu comigo. Mas não acho errado, é a lei da vida. O instinto sexual é visto como tabu, mas é natural."
E se Gretchen fosse empresária de Carla Perez, que conselhos daria a ela? "Não a deixaria sair do Tchan, acho um erro. E diria para ela não fotografar em certas poses, às vezes eles exageram", afirma, com ar de quem não tivesse telhado de vidro.



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