São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

"Saneamento Básico"

Furtado fez uma comédia cheia de alusões ao cinema brasileiro; é divertida, mas sobram algumas dúvidas

N ESTE ANO , ao que parece, agosto caiu em julho. Esperemos. Em meio ao baixo-astral da tragédia, ao blablá politiqueiro e ao caos nos aeroportos intransitáveis, pelo menos os cinemas continuam abertos. Zona de escape. Fui ver "Saneamento Básico - O Filme", de Jorge Furtado.
É uma comédia cheia de alusões ao cinema brasileiro. Divertida. Mas sobraram algumas dúvidas. Fiquei, por exemplo, com a sensação de um descolamento entre a atuação de alguns atores e o lugar escolhido para ambientar a história.
Cidadezinhas gaúchas de marcante colonização italiana têm uma particularidade, representam uma cultura específica, "regional", no contexto brasileiro. O filme poderia se passar em qualquer lugar, mas o diretor escolheu uma dessas cidades. E enfatizou a escolha, entre outros recursos, por meio da trilha sonora, com canções em italiano.
O pai, Paulo José, faz muito bem o tipo, um velho e adorável imigrante que fabrica móveis. É o melhor. Já seu maior amigo, outro velho italiano, às vezes dá a impressão de falar mais como português do que como "oriundi". A filha, interpretada por Fernanda Torres, parece uma moça carioca, ou melhor, uma atriz carioca fazendo humor na Globo que foi parar num cenário de província gaúcha. Wagner Moura, o marido de Fernandinha, não desgruda de um chapéu forrado de lã, com protetor de orelhas, e mantém seu sotaque baiano. A irmã adotada de Fernandinha é Camila Pitanga. Essa, como disse Moura numa entrevista à Folha, sempre melhora tudo.
Completam a turma um jovem dono de pousadas (o divertido Bruno Garcia) e um "diretor" de cinema, que entra no meio da história, vivido por Lázaro Ramos.
No conjunto, eles soam inverossímeis em contraste com o cenário. Mas, como estamos numa história sobre um grupo de amadores que faz um filme trash ("O Monstro da Fossa") dentro do filme "de verdade", sempre com referências explícitas ao universo precário e semi-amadorístico do cinema brasileiro, poder-se-ia atribuir essas engasgadas do "filme de verdade" ao próprio projeto metalingüístico do diretor. Sendo assim, o que parece defeito seria intenção autoral. Será que é isso? Esse descompasso era para aparecer mesmo? Faz parte da comédia? Não sei.
Na realidade, em determinados momentos, a distância entre "Saneamento" e "O Monstro da Fossa" pareceu-me mais curta do que a desejada. No filme dentro do filme, os atores fingem ser péssimos atores e imitam aquele tom declamatório dos diálogos mais sofríveis do cinema brasileiro. Mas não deixa de ser irônico ver alguns deles (que considero ótimos) também derrapando na hora em que já não deveriam mais imitar maus atores.
É fácil tirar um sarro da empostação que se tornou clichê de nossas piores produções. Mais difícil é ir além do repertório de truques naturalistas e cômicos que se tornou uma espécie de novo clichê da TV e do cinema, mesmo em se tratando de atores "transados".
Nada disso, devo dizer, deixa de fazer de "Saneamento Básico - O Filme" um programa legal. Há cenas bastante engraçadas e, ao menos na sessão a que fui, a platéia pareceu se divertir bastante.


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