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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
"Saneamento Básico"
Furtado fez uma comédia cheia de alusões ao cinema brasileiro; é divertida, mas sobram algumas dúvidas
N
ESTE ANO , ao que parece,
agosto caiu em julho. Esperemos. Em meio ao baixo-astral da tragédia, ao blablá politiqueiro e ao caos nos aeroportos intransitáveis, pelo menos os cinemas
continuam abertos. Zona de escape.
Fui ver "Saneamento Básico - O Filme", de Jorge Furtado.
É uma comédia cheia de alusões
ao cinema brasileiro. Divertida. Mas
sobraram algumas dúvidas. Fiquei,
por exemplo, com a sensação de um
descolamento entre a atuação de alguns atores e o lugar escolhido para
ambientar a história.
Cidadezinhas gaúchas de marcante colonização italiana têm uma particularidade, representam uma cultura específica, "regional", no contexto brasileiro. O filme poderia se
passar em qualquer lugar, mas o diretor escolheu uma dessas cidades.
E enfatizou a escolha, entre outros
recursos, por meio da trilha sonora,
com canções em italiano.
O pai, Paulo José, faz muito bem o
tipo, um velho e adorável imigrante
que fabrica móveis. É o melhor. Já
seu maior amigo, outro velho italiano, às vezes dá a impressão de falar
mais como português do que como
"oriundi". A filha, interpretada por
Fernanda Torres, parece uma moça
carioca, ou melhor, uma atriz carioca fazendo humor na Globo que foi
parar num cenário de província gaúcha. Wagner Moura, o marido de
Fernandinha, não desgruda de um
chapéu forrado de lã, com protetor
de orelhas, e mantém seu sotaque
baiano. A irmã adotada de Fernandinha é Camila Pitanga. Essa, como
disse Moura numa entrevista à Folha, sempre melhora tudo.
Completam a turma um jovem
dono de pousadas (o divertido Bruno Garcia) e um "diretor" de cinema, que entra no meio da história,
vivido por Lázaro Ramos.
No conjunto, eles soam inverossímeis em contraste com o cenário.
Mas, como estamos numa história
sobre um grupo de amadores que
faz um filme trash ("O Monstro da
Fossa") dentro do filme "de verdade", sempre com referências explícitas ao universo precário e semi-amadorístico do cinema brasileiro,
poder-se-ia atribuir essas engasgadas do "filme de verdade" ao próprio projeto metalingüístico do diretor. Sendo assim, o que parece
defeito seria intenção autoral. Será
que é isso? Esse descompasso era
para aparecer mesmo? Faz parte da
comédia? Não sei.
Na realidade, em determinados
momentos, a distância entre "Saneamento" e "O Monstro da Fossa"
pareceu-me mais curta do que a desejada. No filme dentro do filme, os
atores fingem ser péssimos atores e
imitam aquele tom declamatório
dos diálogos mais sofríveis do cinema brasileiro. Mas não deixa de ser
irônico ver alguns deles (que considero ótimos) também derrapando
na hora em que já não deveriam
mais imitar maus atores.
É fácil tirar um sarro da empostação que se tornou clichê de nossas
piores produções. Mais difícil é ir
além do repertório de truques naturalistas e cômicos que se tornou
uma espécie de novo clichê da TV e
do cinema, mesmo em se tratando
de atores "transados".
Nada disso, devo dizer, deixa de
fazer de "Saneamento Básico - O
Filme" um programa legal. Há cenas bastante engraçadas e, ao menos na sessão a que fui, a platéia pareceu se divertir bastante.
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