|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Um prato democrático
Simples, a polenta combina com quase todos os tipos de recheio; veja dicas de harmonização com vinho
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Água, sal e farinha de milho.
Uma boa colher de pau e um
paiolo -aquele tacho de cobre
sem cantos vivos. Braço forte e
um bocado de paciência para
mexer sem cessar por três
quartos de hora. Eis a fórmula
clássica da irresistível polenta,
uma comida simples que por
anos foi a base alimentar italiana, especialmente no Norte.
"A polenta nasceu como um
prato de pobre, era quase um
pão, uma base do dia-a-dia. Na
tradição antiga, era mais dura,
cortada com um fio e comida
pura, com carne ou ovo", diz
Salvatore Loi, chef do Fasano.
"Mas depois, com todos os retoques da gastronomia, sofisticou-se, ficou mais delicada."
Hoje, as variações são tão infinitas quanto as discordâncias
em torno deste tema. Consenso
mesmo é o caráter democrático
do prato: vai bem com quase todos os tipos de recheio -carnes, peixes, queijos e ovos. Pode ser servida como entrada,
prato principal, acompanhamento ou sobremesa.
"A polenta faz o papel do pão
ou do arroz. Recebe tudo muito
bem", diz Roberto Ravioli, chef
do Ravioli Cucina Casalinga.
Quando o assunto é o tipo de
farinha empregada, adeus unanimidade. O chef Mauro Maia,
do Supra, defende com veemência a de milho para polenta, italiana, de granolumetria
grossa, do tipo bramata.
"Polenta feita com fubá não é
polenta, é angu. Nada contra o
angu. Minha família é mineira,
e sempre comi angu. Faz-se do
mesmo jeito que a polenta, mas
o gosto é outro. A textura entrega, não fica cremosa, porque o
fubá mimoso é muito fino", diz.
No Ravioli Casalinga, as polentas são feitas com produto
brasileiro. "O fubá tem um bom
custo-benefício. Sofistico no
complemento", diz Ravioli.
Usando a mesma técnica de
preparo da polenta italiana, a
chef carioca Flávia Quaresma,
do Carême Bistrô, já criou um
prato com farinha de pinhão.
"Trabalho o prato como se fosse uma polenta mesmo", diz.
Em outro momento, quando
estava em falta no mercado a
polenta branca italiana (extraída de um outro tipo de milho e
de sabor mais suave), um funcionário do restaurante teve a
idéia de transformar a brasileiríssima canjica em "farinha
bianca". "Todos juravam que
era polenta branca. O brasileiro
é criativo", brinca.
Em relação à consistência, os
chefs ouvidos reverenciam a
mole -quanto mais cremosa e
leve, melhor. Mas há também
quem goste da dura, que pode
ser grelhada ou frita.
Com água ou com caldo?
Esta é outra pergunta para a
qual não há apenas uma resposta. "Eu preparo com caldo
de carne e manteiga. Fazer com
água não tem nada a ver", diz
Maia. Para Loi, depende muito
da receita: "A taranha [polenta
rústica que é uma mistura de
milho amarelo com trigo sarraceno] é feita com queijo, então
coloco água e leite. A amarela,
que uso para acompanhar perdiz, leva água, sal, azeite e um
pouco de caldo de carne para
dar uma textura cremosa. Na
polenta branca, servida com lula em sua tinta, coloco caldo de
peixe para chegar à consistência". A chef Silvana Piran, do
Vicolo Nostro, faz o mesmo:
"Uso o caldo na finalização da
polenta para atingir o ponto".
O chef Giuseppe La Rosa, do
Vecchio Torino, tem outra opinião. "Tem que ser feita com
água. Quem usa polenta errada
é que precisa agregar sabor [recorrendo a um caldo]."
Na direção contrária à crescente oferta de polentas instantâneas, que são pré-cozidas e
por isto ficam prontas em poucos minutos, a maioria dos profissionais defende a tradicional,
que exige um cozimento demorado. "Não existe polenta boa
feita em cinco minutos", diz o
chef do Fasano.
Elas também são alvo de um
comentário da escritora Marcela Hazan em "Fundamentos
da Cozinha Clássica Italiana":
"Fazer polenta com o produto
instantâneo é tão fácil e rápido
que eu gostaria de ser mais receptiva à idéia. Infelizmente, se
você estiver habituado à textura e ao sabor da polenta preparada devagar, de maneira convencional, é bem possível que
essa polenta instantânea não o
deixe plenamente satisfeito".
Texto Anterior: Marcos Augusto Gonçalves: "Saneamento Básico" Próximo Texto: Para acompanhar Índice
|