São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2007

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Um prato democrático

Simples, a polenta combina com quase todos os tipos de recheio; veja dicas de harmonização com vinho

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Água, sal e farinha de milho. Uma boa colher de pau e um paiolo -aquele tacho de cobre sem cantos vivos. Braço forte e um bocado de paciência para mexer sem cessar por três quartos de hora. Eis a fórmula clássica da irresistível polenta, uma comida simples que por anos foi a base alimentar italiana, especialmente no Norte.
"A polenta nasceu como um prato de pobre, era quase um pão, uma base do dia-a-dia. Na tradição antiga, era mais dura, cortada com um fio e comida pura, com carne ou ovo", diz Salvatore Loi, chef do Fasano. "Mas depois, com todos os retoques da gastronomia, sofisticou-se, ficou mais delicada."
Hoje, as variações são tão infinitas quanto as discordâncias em torno deste tema. Consenso mesmo é o caráter democrático do prato: vai bem com quase todos os tipos de recheio -carnes, peixes, queijos e ovos. Pode ser servida como entrada, prato principal, acompanhamento ou sobremesa.
"A polenta faz o papel do pão ou do arroz. Recebe tudo muito bem", diz Roberto Ravioli, chef do Ravioli Cucina Casalinga.
Quando o assunto é o tipo de farinha empregada, adeus unanimidade. O chef Mauro Maia, do Supra, defende com veemência a de milho para polenta, italiana, de granolumetria grossa, do tipo bramata.
"Polenta feita com fubá não é polenta, é angu. Nada contra o angu. Minha família é mineira, e sempre comi angu. Faz-se do mesmo jeito que a polenta, mas o gosto é outro. A textura entrega, não fica cremosa, porque o fubá mimoso é muito fino", diz.
No Ravioli Casalinga, as polentas são feitas com produto brasileiro. "O fubá tem um bom custo-benefício. Sofistico no complemento", diz Ravioli.
Usando a mesma técnica de preparo da polenta italiana, a chef carioca Flávia Quaresma, do Carême Bistrô, já criou um prato com farinha de pinhão. "Trabalho o prato como se fosse uma polenta mesmo", diz.
Em outro momento, quando estava em falta no mercado a polenta branca italiana (extraída de um outro tipo de milho e de sabor mais suave), um funcionário do restaurante teve a idéia de transformar a brasileiríssima canjica em "farinha bianca". "Todos juravam que era polenta branca. O brasileiro é criativo", brinca.
Em relação à consistência, os chefs ouvidos reverenciam a mole -quanto mais cremosa e leve, melhor. Mas há também quem goste da dura, que pode ser grelhada ou frita.

Com água ou com caldo?
Esta é outra pergunta para a qual não há apenas uma resposta. "Eu preparo com caldo de carne e manteiga. Fazer com água não tem nada a ver", diz Maia. Para Loi, depende muito da receita: "A taranha [polenta rústica que é uma mistura de milho amarelo com trigo sarraceno] é feita com queijo, então coloco água e leite. A amarela, que uso para acompanhar perdiz, leva água, sal, azeite e um pouco de caldo de carne para dar uma textura cremosa. Na polenta branca, servida com lula em sua tinta, coloco caldo de peixe para chegar à consistência". A chef Silvana Piran, do Vicolo Nostro, faz o mesmo: "Uso o caldo na finalização da polenta para atingir o ponto".
O chef Giuseppe La Rosa, do Vecchio Torino, tem outra opinião. "Tem que ser feita com água. Quem usa polenta errada é que precisa agregar sabor [recorrendo a um caldo]."
Na direção contrária à crescente oferta de polentas instantâneas, que são pré-cozidas e por isto ficam prontas em poucos minutos, a maioria dos profissionais defende a tradicional, que exige um cozimento demorado. "Não existe polenta boa feita em cinco minutos", diz o chef do Fasano.
Elas também são alvo de um comentário da escritora Marcela Hazan em "Fundamentos da Cozinha Clássica Italiana": "Fazer polenta com o produto instantâneo é tão fácil e rápido que eu gostaria de ser mais receptiva à idéia. Infelizmente, se você estiver habituado à textura e ao sabor da polenta preparada devagar, de maneira convencional, é bem possível que essa polenta instantânea não o deixe plenamente satisfeito".


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