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OPINIÃO
Rio Preto reafirma a tendência da criação teatral orientada pela relação com a plateia
MAURÍCIO PARONI DE CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
No teatro do renascimento, as "accademie" eram revitalizadoras de uma arte acorrentada pela religião. O
maior centro do tipo foi a
Sabbionetta, um perfeito
centro urbano de férias da
corte no século 16.
Ali foram criados e estabelecidos os padrões de representação com acústica perfeita como no teatro clássico,
em oposição à balbúrdia sonora das paixões medievais.
Ali objetivou-se o uso da
perspectiva de Leonardo,
que ampliava o horizonte do
imaginário do espectador.
Ali estabeleceu-se o drama
em oposição ao didatismo religioso. Coisas que até hoje
são o centro de um teatro que
proponha boa qualidade.
Em tempos de teatro ideologizado, esta edição do Festival Internacional de São José do Rio Preto foi uma bocada de oxigênio. Quase todos
os espetáculos que vi tiveram
a sua criação orientada pela
construção de um universo
ligado ao público no momento da performance.
Esse construtivismo deixaria Tadeusz Kantor muito feliz. Fartei-me de vê-lo repetir
energicamente que a arte teatral deveria ocorrer diante do
e com o público, e não somente para o público.
Evitemos mal-entendidos:
"com" quer dizer que é o publico quem codelimita e cria
a forma do que presencia, e
não o seu pseudocriador-diretor-trabalhador-do-povo.
Ironizava: "Que morram os
artistas!". Estes últimos fazem o teatro que tem se firmado na opinião geral. Bom
ou ruim, uma coisa chata.
TEATRO CHATO
Não houve teatro chato
aqui. O espetáculo mais emblemático, que praticamente
resume o sucesso artístico de
um festival de grande frequência popular é "Ode ao
Homem que se Ajoelha", da
companhia "off off" Broadway New York City Players.
Uma caixa com um simples refletor de slides ilumina
o ambiente. O palco é iluminado por essa "cámara oscura" e vai além da abstrata cenografia. O público se funde
ao palco.
Costumo fazer a mesma
coisa em todos os meus espetáculos. Economiza recursos
e paciência, sem dispensar a
luz como vetor de invenção
cênica. Sam Shepard e sua
mitologia da ausência do herói e do fim do espírito de
fronteira americano influenciam largamente um texto
simples e acessível.
Mas, mais do que o herói
que mata todos e termina
sem saída, há um despojamento paralelo da forma e
das vozes. A mesma ausência
da máscara (mas não da tensão ficcional) é a base gramática do espetáculo.
Isso determina a igualdade de expressão entre artistas
e plateia com a qual ambos
convivem.
Essa convivência foi acentuada no festival. Ocorreu em
"Otro", no mais convencional mas nem por isso inferior
"Las Julietas" e em "Antes",
espetáculo visto por mais de
5 mil pessoas na abertura do
festival, ao ar livre.
Virei minha cadeira de rodas para assistir ao público:
numa noite de teatro grego,
estavam todos atentos, impressionados, tocados. E propensos a transformar seu
modo de ver as coisas.
Por que? Porque os performers vislumbram o público
sem esconder que o veem e
estes determinam o sentido
das próprias performances.
A caixa escura de Leonardo da Vinci comparece:
"Quando as imagens dos objetos iluminados penetram
num compartimento escuro
através de um pequeno orifício e se recebem sobre um papel branco situado a uma certa distância desse orifício,
veem-se no papel os objetos
invertidos com as suas formas e cores próprias".
TEATRO PARA TODOS
O que acontece na partes
menos evidentes da mente
teatral parece ser a investigação do FIT. Estamos a léguas
desses festivais tipo "amigos
dos amigos".
Isso mostra ser passível recusar operações político-ideológicas de teatro "social
para pobres" ou "comercial
para ricos". O que vi ocorrer
aqui é teatro para todos: com
recursos bem empregados e
política cultural inteligente.
Dias de um teatro (e um
público) felizes.
MAURÍCIO PARONI DE CASTRO é diretor teatral. Foi ao FIT como ensaísta convidado
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