São Paulo, segunda-feira, 26 de julho de 2010

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OPINIÃO

Rio Preto reafirma a tendência da criação teatral orientada pela relação com a plateia

MAURÍCIO PARONI DE CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No teatro do renascimento, as "accademie" eram revitalizadoras de uma arte acorrentada pela religião. O maior centro do tipo foi a Sabbionetta, um perfeito centro urbano de férias da corte no século 16.
Ali foram criados e estabelecidos os padrões de representação com acústica perfeita como no teatro clássico, em oposição à balbúrdia sonora das paixões medievais.
Ali objetivou-se o uso da perspectiva de Leonardo, que ampliava o horizonte do imaginário do espectador.
Ali estabeleceu-se o drama em oposição ao didatismo religioso. Coisas que até hoje são o centro de um teatro que proponha boa qualidade.
Em tempos de teatro ideologizado, esta edição do Festival Internacional de São José do Rio Preto foi uma bocada de oxigênio. Quase todos os espetáculos que vi tiveram a sua criação orientada pela construção de um universo ligado ao público no momento da performance.
Esse construtivismo deixaria Tadeusz Kantor muito feliz. Fartei-me de vê-lo repetir energicamente que a arte teatral deveria ocorrer diante do e com o público, e não somente para o público.
Evitemos mal-entendidos: "com" quer dizer que é o publico quem codelimita e cria a forma do que presencia, e não o seu pseudocriador-diretor-trabalhador-do-povo.
Ironizava: "Que morram os artistas!". Estes últimos fazem o teatro que tem se firmado na opinião geral. Bom ou ruim, uma coisa chata.

TEATRO CHATO
Não houve teatro chato aqui. O espetáculo mais emblemático, que praticamente resume o sucesso artístico de um festival de grande frequência popular é "Ode ao Homem que se Ajoelha", da companhia "off off" Broadway New York City Players.
Uma caixa com um simples refletor de slides ilumina o ambiente. O palco é iluminado por essa "cámara oscura" e vai além da abstrata cenografia. O público se funde ao palco.
Costumo fazer a mesma coisa em todos os meus espetáculos. Economiza recursos e paciência, sem dispensar a luz como vetor de invenção cênica. Sam Shepard e sua mitologia da ausência do herói e do fim do espírito de fronteira americano influenciam largamente um texto simples e acessível.
Mas, mais do que o herói que mata todos e termina sem saída, há um despojamento paralelo da forma e das vozes. A mesma ausência da máscara (mas não da tensão ficcional) é a base gramática do espetáculo.
Isso determina a igualdade de expressão entre artistas e plateia com a qual ambos convivem.
Essa convivência foi acentuada no festival. Ocorreu em "Otro", no mais convencional mas nem por isso inferior "Las Julietas" e em "Antes", espetáculo visto por mais de 5 mil pessoas na abertura do festival, ao ar livre.
Virei minha cadeira de rodas para assistir ao público: numa noite de teatro grego, estavam todos atentos, impressionados, tocados. E propensos a transformar seu modo de ver as coisas. Por que? Porque os performers vislumbram o público sem esconder que o veem e estes determinam o sentido das próprias performances.
A caixa escura de Leonardo da Vinci comparece: "Quando as imagens dos objetos iluminados penetram num compartimento escuro através de um pequeno orifício e se recebem sobre um papel branco situado a uma certa distância desse orifício, veem-se no papel os objetos invertidos com as suas formas e cores próprias".

TEATRO PARA TODOS
O que acontece na partes menos evidentes da mente teatral parece ser a investigação do FIT. Estamos a léguas desses festivais tipo "amigos dos amigos".
Isso mostra ser passível recusar operações político-ideológicas de teatro "social para pobres" ou "comercial para ricos". O que vi ocorrer aqui é teatro para todos: com recursos bem empregados e política cultural inteligente.
Dias de um teatro (e um público) felizes.


MAURÍCIO PARONI DE CASTRO é diretor teatral. Foi ao FIT como ensaísta convidado


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