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CRÍTICA
Júri premia imperfeição com vida em vez de técnica vazia
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A 31ª edição do Festival de
Gramado será lembrada como o ano em que o cinema latino
ganhou de goleada do brasileiro.
Na premiação dos longas nacionais, o júri fez a opção mais saudável e corajosa. O grande vencedor, "De Passagem", do estreante
Ricardo Elias, é talvez, ao lado de
"Apolônio Brasil", o filme cujos
defeitos são mais evidentes. São
também os únicos que têm vida.
Os outros três longas já nasceram
mortos. Casos perdidos.
"De Passagem" conta a história
de três jovens negros criados na
periferia de São Paulo: os irmãos
Jefferson e Washington e seu amigo Kennedy. A narrativa alterna
dois momentos. No presente, Jefferson (Silvio Guindane) é um cadete de escola militar do Rio que
chega a São Paulo para reconhecer o cadáver do irmão, morto numa periferia braba, num acerto de
contas entre traficantes.
Para ajudá-lo a se locomover
numa cidade que não é mais a
sua, acompanha-o o amigo Kennedy (Fábio Nepô). Enquanto
atravessam a cidade, relembram
momentos marcantes da infância,
em que se definiram seus caminhos. Começam os flashbacks.
As passagens entre os dois tempos é por vezes demasiado mecânica e desajeitada, e os meninos
atores que representam os personagens na infância não estão bem
dirigidos. Por fim, há cenas francamente tolas, como a da perseguição dos dois amigos por um
misterioso personagem.
A despeito de tudo isso, "De
Passagem" demonstra uma vitalidade e um desejo sincero de expressão que o distanciam de "produtos" bem feitinhos e vazios como "Dom", "O Preço da Paz" e
"Noite de São João".
Um dos méritos de Ricardo
Elias é o de não sucumbir nem ao
fetichismo da técnica nem ao naturalismo estrito que domina os
diálogos e a encenação dos filmes
que tratam da pobreza e da violência entre jovens, na busca descerebrada por "autenticidade".
"De Passagem" não parece ter a
intenção de mostrar "a vida como
ela é". Seus personagens parecerão talvez ingênuos a alguns. Sua
representação do ambiente suburbano poderá ser acusada de
artificial. Pouco importa.
As referências do filme parecem
ter muito menos a ver com o novo
brutalismo do cinema urbano
brasileiro do que com o humanismo italiano de um De Sica e o lirismo de um Zurlini.
Isso não impede que a cidade de
São Paulo pulse em "De Passagem" com toda a sua inominável
feiúra, seus descampados inóspitos, suas vielas escuras, seus becos
sombrios, nos quais se decidem
diariamente os destinos de jovens
como os do filme. É no afeto por
eles que se sustenta essa obra bela
e imperfeita.
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