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"HARMADA"
Paulo César Pereio encarna poder da arte em parábola atemporal
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O cinema atual tornou-se
escravo da verossimilhança
e da psicologia. Até na mais descabelada ficção científica encontramos a preocupação com explicações pretensamente lógicas,
com nexos de causa e efeito, com
motivações pessoais claramente
identificáveis, com relacionamentos afetivos análogos aos das telenovelas.
Nesse contexto, um filme como
"Harmada" surge como um objeto estranho, ao mesmo tempo incômodo e revitalizador. Assim
como o romance de João Gilberto
Noll em que se baseou, o longa-metragem de Maurice Capovilla
passa ao largo de toda essa tralha
superficial para se deter no que
interessa: o poder da arte contra a
miséria do mundo.
Narra-se aqui um fiapo de história: um ator mambembe e sem
nome, referido apenas como
Ator, pratica seu ofício em praça
pública, ama um punhado de mulheres, junta-se a um grupo de
sem-teto, vai parar num asilo,
orienta uma jovem atriz.
Não há indicações de lugar, de
tempo, de antecedentes. Sabemos
apenas que entre uma cena e outra passam-se anos, que o Ator sofreu agruras físicas e morais e que
sua arte resiste. É um homem sem
passado e sem futuro, livre e desmemoriado, que conta histórias
para agregar os homens e vencer
o horror.
Para transformar em cinema a
prosa impalpável de Noll, Capovilla, 68, recorreu a um grupo de veteranos como ele: o ator Paulo César Pereio, o diretor de fotografia
Mário Carneiro, o operador de
câmera Dib Lufti -todos sobreviventes de um cinema que se
pretendia mais que uma mera diversão de shopping center.
As filmagens em Parati, um cenário atemporal, na fronteira entre o urbano e o rural, acentuam a
indeterminação da história. Sem
âncoras espaço-temporais, "Harmada" é um filme que flutua, que
recomeça a cada cena, que parece
não ter um caminho pré-definido.
Duas informações são eloqüentes a respeito do estado em que se
encontra hoje o chamado "mercado" para o cinema brasileiro. A
primeira é que "Harmada" é o
primeiro longa-metragem realizado por Capovilla desde "O Jogo
da Vida" (1976). Ou seja: o realizador de obras como "Bebel, a Garota Propaganda" e "O Profeta da
Fome" ficou quase 30 anos sem
filmar.
A segunda informação é que
"Harmada" disputou em 2003 o
Festival de Cinema de Brasília,
onde Pereio ganhou, muito merecidamente, o prêmio de melhor
ator. Só dois anos depois o filme é
jogado bruscamente nas salas de
cinema, sem uma campanha adequada de divulgação. Triste cinema brasileiro.
Harmada
Direção: Maurice Capovilla
Produção: Brasil, 2003
Com: Paulo César Pereio, Joana
Medeiros, Antonio Pedro
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex e HSBC Belas Artes
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