São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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"HARMADA"

Paulo César Pereio encarna poder da arte em parábola atemporal

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O cinema atual tornou-se escravo da verossimilhança e da psicologia. Até na mais descabelada ficção científica encontramos a preocupação com explicações pretensamente lógicas, com nexos de causa e efeito, com motivações pessoais claramente identificáveis, com relacionamentos afetivos análogos aos das telenovelas.
Nesse contexto, um filme como "Harmada" surge como um objeto estranho, ao mesmo tempo incômodo e revitalizador. Assim como o romance de João Gilberto Noll em que se baseou, o longa-metragem de Maurice Capovilla passa ao largo de toda essa tralha superficial para se deter no que interessa: o poder da arte contra a miséria do mundo.
Narra-se aqui um fiapo de história: um ator mambembe e sem nome, referido apenas como Ator, pratica seu ofício em praça pública, ama um punhado de mulheres, junta-se a um grupo de sem-teto, vai parar num asilo, orienta uma jovem atriz.
Não há indicações de lugar, de tempo, de antecedentes. Sabemos apenas que entre uma cena e outra passam-se anos, que o Ator sofreu agruras físicas e morais e que sua arte resiste. É um homem sem passado e sem futuro, livre e desmemoriado, que conta histórias para agregar os homens e vencer o horror.
Para transformar em cinema a prosa impalpável de Noll, Capovilla, 68, recorreu a um grupo de veteranos como ele: o ator Paulo César Pereio, o diretor de fotografia Mário Carneiro, o operador de câmera Dib Lufti -todos sobreviventes de um cinema que se pretendia mais que uma mera diversão de shopping center.
As filmagens em Parati, um cenário atemporal, na fronteira entre o urbano e o rural, acentuam a indeterminação da história. Sem âncoras espaço-temporais, "Harmada" é um filme que flutua, que recomeça a cada cena, que parece não ter um caminho pré-definido.
Duas informações são eloqüentes a respeito do estado em que se encontra hoje o chamado "mercado" para o cinema brasileiro. A primeira é que "Harmada" é o primeiro longa-metragem realizado por Capovilla desde "O Jogo da Vida" (1976). Ou seja: o realizador de obras como "Bebel, a Garota Propaganda" e "O Profeta da Fome" ficou quase 30 anos sem filmar.
A segunda informação é que "Harmada" disputou em 2003 o Festival de Cinema de Brasília, onde Pereio ganhou, muito merecidamente, o prêmio de melhor ator. Só dois anos depois o filme é jogado bruscamente nas salas de cinema, sem uma campanha adequada de divulgação. Triste cinema brasileiro.


Harmada
    
Direção: Maurice Capovilla
Produção: Brasil, 2003
Com: Paulo César Pereio, Joana Medeiros, Antonio Pedro
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex e HSBC Belas Artes


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