São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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16º FESTIVAL INTERNACIONAL DE CURTAS

Kleber Mendonça Filho retrata consumismo de eletrodomésticos nos anos 90

Brasileiro pluga classe média na tomada

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

A classe média invade o curta. Com "Eletrodoméstica", Kleber Mendonça Filho se firma no cenário dos "pequenos" filmes nacionais ao levar às telas a história de uma família que entope a casa de aparelhos eletrônicos. O consumismo desenfreado é retratado como o ópio do povo neste retrato crítico de uma família que não tem dinheiro para grandes luxos, ao mesmo tempo que pode comprar mais de uma televisão.
O diretor conta que se inspirou em várias coisas para montar o enredo. "Achei engraçado, por exemplo, a seleção voltar da Copa do Mundo de 94, num avião fretado, lotado de equipamentos eletroeletrônicos. Além, é claro, de explorar um certo clima de euforia pós-Plano Real. Nos anos 90, o brasileiro reequipou suas casas alegremente, com as benesses do pagamento a prazo."
Com a receita de "ser absolutamente pessoal", Mendonça Filho mergulhou em seu Recife natal, mais especificamente no bairro do Setúbal, para rodar esta crônica sobre a classe média. "Eu também sou classe média. Achei que seria simpático filmá-la. Por algum motivo muito estranho, o cinema brasileiro não a filma, ou a filma muito pouco", diz. Seria uma espécie de "síndrome do cinema novo"? "O cinema no Brasil parece ter o compromisso informal de lidar, em grande parte, com o binômio sertão-favela. No entanto, existem outros 200 Brasis entre uma coisa e outra. Esses outros Brasis precisam ser filmados sem medo. As pessoas precisam se filmar sem medo. Vemos uma grande quantidade de filmes que servem para discutir temas; são temas que ganham prêmios. Gostaria de ver mais nas telas obras que pensam o cinema."

Trampolim
O cineasta iniciou sua carreira no vídeo, nos anos 90, mas foi seu filme anterior, "Vinil Verde", que alçou seu nome internacionalmente, competindo na Quinzena dos Realizadores, na última edição do Festival de Cannes, em maio passado. Não venceu, mas "continua indo". "Nos próximos meses, vai ser exibido em Barcelona, Biarritz, Honolulu... "Eletrodoméstica" está na seqüência."
Agora lhe perguntam quando ele fará seu primeiro "filme". "Um curta em 35 mm é um filme de verdade. Para mim, o curta não é trampolim para longa. É uma obra que se basta, tão importante e significativa quanto um longa. Não creio que um curta deva ser mais ou menos experimental do que um longa. Filmes precisam ser honestos e pessoais, não importando a duração. Quero fazer curtas e longas."
Mas é difícil furar o preconceito das salas exibidoras contra o curta. "Realmente é um trabalho de guerrilha, que continua dois anos depois do filme lançado. Mas creio que o curta, programado com inteligência e tino, pode virar um produto atraente, capaz de conquistar público. Não gosto da idéia do curta como brinde cinematográfico", afirma ele, criticando a cota obrigatória.


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