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Slogan de Maluf joga com os limites da cara-de-pau
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Os marketeiros entendem
mais do assunto do que eu, é
claro, mas não consigo deixar
de considerar um enorme erro
a frase dizendo que Maluf
"não é nenhum santo, mas
senta e faz." Não esperávamos
uma confissão tão escancarada assim.
O verbo "rouba", ausente da
frase, lateja na memória e no
inconsciente do público: "Rouba, mas faz", dizia-se de Adhemar de Barros. Há também outro verbo, oculto nesse "senta e
faz", mas deixo a José Simão o
prazer de explicitá-lo.
De algum modo, as coisas se
descontrolaram na propaganda malufista. Pois me parece
evidente que esse slogan dá
mais munição aos opositores
do que aos adeptos de Maluf.
E, quanto aos indecisos, terão
de enfrentar uma nova dúvida: "Aceito que me chamem de
imbecil?"
Como Duda Mendonça não é
nenhum imbecil e, como Maluf, sem ser nenhum gênio, sabe o que faz, tento entender
um pouco o que se passa quando um slogan desse tipo é veiculado no horário eleitoral.
Tenho a impressão de que,
em primeiro lugar, manifestou-se aqui uma espécie de
sensação de poder, de onipotência mesmo, do publicitário.
A confissão malufista se baseia
na tese de que, em publicidade,
tudo pode ser dito. O cinismo
se sustenta na imbecilidade geral.
Não por acaso, quem diz a
frase é uma mulher. Não tem o
tom de voz de uma maluquinha; ao contrário, é agressiva,
ressentida, militante, declara-se revoltada com as acusações de que Maluf tem sido vítima. A credulidade feminina,
construída ao longo de séculos
de opressão, vinga-se aqui dizendo "a verdade": "Sei que ele
não é nenhum santo".
Do mesmo modo, temos uma
Hebe malufista. É o caso de
uma mulher independente e
voluntariosa, que sentiu de
certo modo suas bandeiras de
independência e voluntarismo
sequestradas pelo feminismo
de esquerda. Procurando o escândalo, mas sem forças ou
convicções para ser de esquerda, Hebe apóia Maluf para
apoiar todo escândalo que não
seja baixaria feminina.
Na verdade, Maluf faz da política, como ninguém, um assunto masculino. Covas é másculo, sem dúvida, ao ponto de
ser prejudicado por essa característica. O engenheiro
mal-humorado, de voz gravíssima, perde em sedução e simpatia. Covas é o marido fiel;
Maluf, o marido que, sem ser
nenhum santo, cumpre as tarefas domésticas.
A mulher que declama o slogan segundo o qual Maluf
"não é nenhum santo" fala dele como de um marido. O modelo conjugal se apaga, ou se
inverte, no caso de Marta Suplicy -que parece mais decisiva e firme do que seu esposo
senador. Eduardo tem as virtudes femininas da insistência,
da chatice, da pontualidade.
Marta, como candidata, faz de
sua condição classista -de
seu sotaque burguês- uma
mensagem bastante clara: "Eu
sei mandar".
Mas, se é assim que a feminilidade se afirma, fica evidente
o sucesso de Rossi nestas eleições. Ele se faz de passivo, de
inócuo, de feminino. Não precisa da falsa mulher inventada
pela propaganda malufista
nem da verdadeira mulher encenada por Marta Suplicy. Ele
é o homem feminilizado, que
canta canções românticas, e
não promete nada. Joga com a
própria impotência.
Maluf joga com a sua potência. Por isso imagina a mulher
que perdoa suas escapadas.
Covas é o bom marido, cuja
ausência de traição é motivo
de suspeita. Marta é a esposa
tirânica, que manda, mas é
fraca, e assume seu poder como quem não o merecesse
-ainda que se julgue merecedora do poder.
Mas tudo isso é uma digressão sobre papéis sexuais. Tendo a considerar o erro de Duda
Mendonça mais grave.
Dizer que "Maluf não é nenhum santo" equivale a algumas regras de publicidade
muito duvidosas. Trata-se, em
primeiro lugar, da regra da
"vacina", identificada pelo semiólogo Roland Barthes já nos
anos 50. Ou seja, admitimos os
defeitos do produto, e com isso
o consumidor aceita nossa lorota. Não é diferente dos
anúncios de Washington Olivetto para certa rede de distribuição de gasolina. Claro,
mostrar os defeitos ou a fragilidade do produto a ser vendido é uma regra para vendê-lo
mais.
Mas aqui nos aproximamos
de uma lógica bastante perversa da propaganda. A de que
quanto mais formos verdadeiros, mais seremos eficientes.
Acho que foi isso o que mobilizou os marketeiros de Maluf.
Eles brincam com a verdade.
Julgam-se donos dela, não no
sentido de um militante que
bate sempre no mesmo ponto,
mas no sentido de que podem
dizer tudo o que quiserem.
Confessam sua desconfiança
diante de Maluf. Acham que
essa desconfiança pode ser
usada em campanha. Encenam a culpa (de mentir) como
uma vitória (a de conseguir dizer a verdade mesmo assim).
Mas a cara-de-pau tem um limite, acho. Acho que Duda
Mendonça encontrou esse limite. Terá Maluf encontrado o
seu? Imagino que se arrepende
de alguma coisa.
Pois é claro que a idéia de
que ele "não é nenhum santo"
só se sustenta pela impunidade
geral, e tivemos de ter um Celso Pitta bradando contra o
malufismo. Em todo caso, é
Maluf quem nos pede perdão
pela suposta ausência de santidade.
Ausência de santidade, todos
perdoamos. Mas o que essa
frase quer dizer? Vilania, cinismo, roubo, banditismo?
Não sei. Sei que ela nos chama
de idiotas. Sei também que a
publicidade faz isso diariamente. Mas uma marca de sabonete, um aparelho de som,
uma companhia de aviação,
tendem a ser mais neutras do
ponto de vista moral.
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