São Paulo, quarta, 26 de agosto de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÚSICA

Mundo Livre chega atacando 'arianos'

Eduardo Knapp/Folha Imagem
A banda Mundo Livre S.A., que lança 'Carnaval na Obra', em cima de pontes sobre o rio Pinheiros, em SP


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

"Carnaval na Obra", terceiro álbum da banda recifense Mundo Livre S.A., tem um ano de idade. Só agora, ao fim de um período de pane que o mangue beat viveu com a morte de um de seus líderes, Chico Science, ele vem a público, pelas mãos da nova gravadora Abril Music.
Segundo líder daquele "movimento", Fred Zero Quatro, 36, mentor do Mundo Livre, afirma que a demora -devida em parte ao rompimento de acordo do selo Excelente, dono do passe da banda, com a PolyGram- não traz prejuízo à atualidade do CD.
"Ouço o disco anterior, "Guentando a Ôia', e ainda consigo achá-lo atual. O fato de "Carnaval na Obra' ter quatro produtores (Bid, Edu K, Apollo 9 e Carlos Eduardo Miranda) torna mais marcante a história da diversidade, que já estava presente nos discos anteriores", diz Zero Quatro.
O novo CD encontra os conceitos lançados pelo mangue beat sedimentados -repassar as premissas dos "caranguejos com cérebro", de pés atolados na lama terceiro-mundista e antenas voltadas ao ciberespaço, já é tarefa ociosa.
"Carnaval na Obra" reflete, então, a chegada de novas referências, muitas adquiridas durante turnê da banda pelo México, com show em Chiapas e contatos com os guerrilheiros zapatistas.
"Quando voltamos, comecei a compor e já estava fazendo música mexicana. O CD ficou mais próximo do Caribe, da cultura afrocaribenha", ele explica. Mas não pense em lambada, reggae ou rumba.
"Ao lado disso, há a eletrônica também, usada como um instrumento, uma ferramenta a mais. Uma música bem ilustrativa é "Ultrapassado', que tem melodia e harmonia tradicionais de choro, de samba de morro, mas que com a produção do Apollo perdeu a rigidez, ficou fluida, quase lounge."
O que Zero Quatro quer defender é que o pop não guarda mais traços de pureza, é o reinado da mistura. De tal idéia, a faixa "O Africano e o Ariano" é símbolo ("mas é o ariano que ignora o africano ou é o africano que ignora o ariano?", pergunta a letra).
"Beck usa sample de Jorge Ben e bossa nova, mas no Brasil ainda há setores que só admitem certas manifestações da cultura popular", diz Zero Quatro. A referência, explícita, é ao dramaturgo Ariano Suassuna, também secretário da Cultura de Pernambuco.
"A música é a única homenagem explícita a Chico Science no CD, a vontade de mostrá-lo como herdeiro de uma tradição, não como o cara que veio renegar, achincalhar ou emporcalhar a tradição. Os "arianos', chamemos assim, só reconhecem a importância da cultura negra até certo ponto."
Ele dá nomes aos bois: "Na Universidade Federal de Pernambuco, onde estudei, todos os professores eram armoriais (refere-se ao movimento capitaneado por Suassuna, de defesa das raízes culturais populares), apocalípticos quanto à cultura de massa".
Só há "arianos" em Pernambuco? "Vou me apropriar de uma coisa que Caetano Veloso disse, que gosta da baianidade do Antônio Carlos Magalhães, mas não gostaria de viver num lugar em que há um dono. É engraçado ele dizer isso, ele se coloca como dono da MPB, tem isso de não levar a sério nada que não seja baiano."
Mais "arianos"? "Um assunto fundamental no Brasil é a Rede Globo, que envolve tudo, da campanha de FHC ao ACM e aos discos que chegam às lojas. A Globo tem o poder de comprar as mentes mais férteis. Ziraldo e Jaguar, que fizeram o "Pasquim', hoje fazem o plim-plim da Globo. É a pior forma de censura -a autocensura."
Mais ainda? "Eu era punk em Recife quando Gilberto Gil estourou "Punk da Periferia', a coisa mais politicamente hedionda que já se fez em música no Brasil. As tendências incômodas são captadas no começo. O establishment dilui, apadrinha, se torna dono."
Alguém escapa da draga do establishment? "Fico muito otimista com o fenômeno dos Racionais MC's, o hip hop deles supera totalmente a lógica tropicalista, reflete outras necessidades e demandas."
Mas a chegada dos Racionais à MTV não significa sua absorção pelo establishment? "Pode ser, mas rompem a farsa indo à MTV com um monte de exigências, vaiando Carlinhos Brown. O fato de se recusarem a dar entrevistas à Globo é uma grande ruptura."
Em tempo em que os artistas preferem não se envolver em política, Zero Quatro não deixa de declinar seu voto nas próximas eleições. "Até pouquíssimo tempo atrás, estava decidido a não participar dessa eleição, que é ilegítima, pelas acusações de compra de votos para a reeleição de FHC, por ele não ter se desincompatibilização do cargo."
"É uma recondução, o trilhão posando de democrata contra o tostão. A única atitude coerente do PT seria sair da eleição. O massacre da oposição por FHC é tão grande que acabo me envolvendo. Vou votar em Lula mesmo."



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.